Caríssimos irmãos e irmãs!
Chegámos ao tempo santo da Quaresma, no qual os apelos do Senhor se fazem ouvir sempre mais fortes, por um lado e carregados de misericórdia, por outro. A força da Palavra de Deus chega cheia de doçura, porque Ele não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva muito feliz na casa do Pai com todos os seus irmãos. A misericórdia, acolhida em todas as situações mas, mais sentida, quando reconhecemos que estamos perdidos, abre todas as portas do amor sem o qual nunca nos sentiremos felizes e salvos.
O Senhor nunca espera que tomemos a iniciativa para vir ao nosso encontro e nos falar ao coração com palavras convincentes e com gestos divinos eloquentes, como nunca espera que sejamos nós a ir ao seu encontro a fim de alcançarmos a Sua misericórdia. É Ele que toma a iniciativa quando nos vê necessitados de uma palavra de estímulo e fortaleza, quando nos conhece mergulhados no desânimo ou presos nas cadeias do pecado que leva à morte. Deus permanece sempre num movimento de aproximação a cada pessoa que ama e quer salvar, procurando despertar em nós a alegria de nos pormos a caminho para nos aproximarmos d’Ele.
“Entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo”.
A vida reflectida e rezada, com todas as suas alegrias e dores, é o lugar que nos é dado para entrarmos em nós, para ouvirmos a sua voz e vermos os seus gestos de amor. A partir daquilo que somos, que sentimos e que vivemos, Deus oferece-nos a possibilidade de nos pormos a caminho em busca da sua face iluminadora e das suas mãos consoladoras. Para uns, uma vida tranquila e feliz, rodeada de pessoas, de amigos e dos bens materiais, é ponto de partida para o encontro agradecido ao Senhor. Para outros, a dureza dos acontecimentos, a insatisfação diária ou mesmo os problemas e desgraças, são lugar de reconsiderar tudo numa incessante procura de sentido. Também acontece a muitos passarem distraídos ao lado de tudo sem capacidade para a fé agradecida nos momentos bons e sem capacidade para se levantarem e porem a caminho nos momentos de sofrimento e desencanto.
Toda a vida reflectida e rezada abre à possibilidade do encontro com Deus; toda ela pode ser lugar de escuta da Sua voz e de abertura à Sua misericórdia. As propostas de silêncio, oração e contemplação pessoal, que o tempo da Quaresma nos oferece, vêm ao encontro desta necessidade humana e constituem meio adequado para fazermos a nossa parte do caminho, uma vez que o Senhor já fez a sua.
“Reuni o povo, convocai a assembleia”.
A assembleia cristã ou Igreja reunida constitui lugar essencial de aproximação do Senhor, que se aproxima de nós. Deus constitui-nos como Seu povo santo e está presente quando dois ou três se reúnem em seu nome: ali nos acolhe, nos fala, nos alimenta e fortalece com o Pão da Vida; ali O louvamos e bendizemos, confessamos os nossos pecados e somos perdoados, suplicamos auxílio para as nossas debilidades; ali avivamos a fé e o amor; para ali levamos os nossos dons humanos e dali saímos cheios dos dons da Vida divina.
O nosso caminho de conversão a Deus e ao serviço dos irmãos não se pode fazer sem a Igreja, o povo que caminha na fé e na profundidade espiritual de vida a partir do Evangelho. Conversão a Deus significa sempre e ao mesmo tempo conversão à sua Igreja, apesar de todas as suas fragilidades humanas, mas lugar de encontro humano e divino.
Ela é a casa do Pai na qual vivemos, o lar que frequentemente abandonamos e ao qual voltamos quando nos deixamos mover pela graça e pela misericórdia. Mesmo com os seus defeitos é sacramento da salvação, é sinal presente no mundo, é luz que abre caminhos e realização dos horizontes de santidade e comunhão entre os seus membros e com o Senhor que a conduz.
As propostas que a Quaresma nos faz têm como horizonte uma inserção mais plena na Igreja, Corpo de Cristo e mistério de comunhão, sem a qual ficamos órfãos, perdemos o sentido de Deus e o sentido dos outros.
“Convertei-vos a Mim de todo o coração”.
A conversão a Deus é a meta de todo o nosso caminho de cristãos, a fim de estarmos com Ele, vivermos n’Ele e encontrarmos n’Ele a motivação fundamental para o nosso agir em ordem à transformação do mundo.
Pode estar-se no mundo de muitas formas. A nossa, própria de cristãos, tem uma marca específica: viver em Cristo, por Cristo e com Cristo. A orientação da vida, do coração, dos sentimentos, dos actos e dos valores de um cristão brotam do seu ser em Cristo, incarnando o seu modo de ser a partir de dentro.
Converter-se a Cristo significa incarnar na inteligência, no coração e na totalidade de nós mesmos a grande máxima do Apóstolo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. Envolvidos por Cristo crucificado e ressuscitado, procuremos renovar-nos a nós mesmos e demos o nosso contributo para que o Senhor renove todas as coisas, o nosso mundo interior e as realidades exteriores.
A Quaresma será um tempo favorável de graça se nos pusermos a caminho ao encontro Senhor que já se aproximou de nós e, connosco, quer ir ao encontro dos homens e mulheres nossos irmãos na evangelização, na caridade e na construção da Sua Igreja Santa.
Coimbra, 14 de Fevereiro de 2018
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra