Mensagem do Bispo de Coimbra para a Quaresma 2021
Estamos a passar por dificuldades que não conhecíamos. Afectados no corpo e no espírito, na família, na economia e nas relações sociais, sofremos com a solidão, com a perda dos recursos materiais, com a doença e com a morte, pois tudo isso está em nossa casa, à nossa porta e na comunidade humana com a qual somos solidários.
Sentimo-nos seriamente tocados pela fé no Deus Salvador, que anunciamos, mas que, agora, se torna mais palpável na pessoa dos nossos irmãos, ansiosos por palavras e gestos concretos de consolação, que aliviem as suas dores e sejam portadores da esperança que não morre.
Reconhecemos e agradecemos a força de humanidade, fraternidade, solidariedade e amor arrancada ao mais fundo de nós mesmos, numa onda de bondade que nos comove e nos faz antever clareiras de esperança. É, sem dúvida, um grande dom de Deus, que habita no coração de cada pessoa e que importa desenvolver e valorizar ainda mais como algo que faz parte de nós e sem o qual não podemos viver.
A todos, proponho como lema para esta Quaresma as palavras: “Com coragem criativa, levanta-te”. São inspiradas na Carta Apostólica “Com coração de pai”, que o Papa Francisco nos dirigiu no contexto do ano de São José, que está a decorrer.
São José sentiu as marcas bem fortes da condição humana débil, quando se confrontou com o mistério da maternidade virginal de Maria, quando se recolheu num curral por não encontrar lugar na hospedaria, quando viu ameaçada a vida de Jesus e teve de fugir para o Egipto, quando Jesus se perdeu no tempo e o deixou angustiado à sua procura, quando cuidou de Maria e de Jesus no meio da pobreza e das pendentes ameaças e perseguições.
São José viu sempre abrirem-se diante de si as portas do amor e da esperança, que o levaram a ser fiel e obediente à vontade de Deus. Nunca desanimou, nem baixou os braços, por confiar que estava nas mãos de Deus. Nas horas mais difíceis, pôs-se sempre numa atitude de escuta da voz do Pai e acolheu o convite: “levanta-te, toma contigo o Menino e Sua Mãe” (Mt 2, 14).
Nele, Padroeiro da Igreja Católica, encontramos uma grande inspiração, pois continua a ser “protector dos miseráveis, necessitados, exilados, aflitos, pobres moribundos” (“Com coração de pai”, 5). Pedimos-lhe que continue a ser o protector do Menino e de Sua Mãe, na certeza de que é o protector de todos nós, os irmãos de Jesus, e de todos os filhos de Maria, nossa Mãe.
Proponho a todos os membros da nossa comunidade diocesana de Coimbra uma Quaresma verdadeiramente diferente. Não só por nos encontrarmos em situação de pandemia, mas porque os apelos de Deus soam mais fortes aos nossos ouvidos e nos convidam a levantarmo-nos com coragem criativa, na fé, na esperança e no amor.
Queremos acolher o convite de Deus que se dirige a cada um de nós: levanta-te; queremos ajudar a levantar os outros, segundo as palavras dirigidas a José: “toma o Menino e Sua Mãe”. É um convite pessoal que tem de repercutir-se numa dimensão comunitária. Ajudaremos a Igreja, Povo de Deus, a levantar-se com coragem e criatividade diante da falta de fulgor que pode estar a atingi-la; ajudaremos a humanidade, começando pela proximidade, a levantar-se, pois, após um estado de alguma euforia quanto às suas possibilidades, encontra-se agora numa situação de algum desânimo e prostração.
Torna-se cada vez mais evidente que cada coisa tem o seu devido lugar e a sua importância no caminho que fazemos para criar melhores condições de vida para todos. Percebemos agora melhor que acima de tudo contam as pessoas, cada pessoa, que é um dom de Deus e um dom para os outros. Cabe-nos, por isso, como indivíduos, como famílias, como Igreja e como comunidade organizada em todas as suas estruturas, cuidar das pessoas, como José cuidou de Jesus e de Maria.
O jejum, a oração e a esmola, práticas centrais da Quaresma, juntamente com outras modalidades da vivência cristã, devidamente compreendidas e adequadas às circunstâncias em que vivemos, nos conduzam à conversão ao amor de Deus e ao amor dos irmãos.
Convido-vos a viver a Quaresma com São José e, em atitude de confiança, a pedir-lhe a protecção para toda a humanidade: São José, rogai por nós!
Virgílio Antunes, Bispo de Coimbra