– Agora, que já passaram as emoções mais fortes, vais-me contar como decorreu a tua peregrinação a Fátima nos dias doze e treze de Maio! Como te sentes, depois desta experiência, Carlos?
– Com a alma renovada, Tio Ambrósio! O que se passa com cada um naquele lugar não é fácil de descrever, porque a vivência espiritual toca a cada um de sua maneira. Há os que se ajoelham e erguem as mãos; os que balbuciam orações; os que batem com a mão no peito, pedindo perdão e misericórdia; os que cantam hinos de louvor; e há os que, diante da imagem da Virgem do Rosário, ficam com os olhos rasos de água, caindo-lhes as lágrimas pelo rusto, duas a duas, como que nascidas de uma fonte inesgotável…
– Até eu aqui, em frente do televisor, passei por muitos desses momentos que me comoveram até ao fundo da alma! Sou assim! Há alturas em que não consigo deixar de levantar as mãos em jeito de prece, e outras em que me comovo até às lágrimas. E estes sentimentos vão sendo cada vez mais fortes em mim com o passar dos anos.
– Também eu senti todas essas emoções, Tio Ambrósio! Procuro não as exteriorizar muito, mas cá por dentro vivo intensamente cada momento. Tocou-me sobremaneira o silêncio, Tio Ambrósio! Quando o Santo Padre entrou no recinto da Cova da Iria todos os presentes lhe deram vivas e bateram palmas. Mas depois, quando o Papa Francisco entrou na capelinha das aparições, que é o verdadeiro coração do Santuário, e se colocou em frente da imagem de Nossa Senhora, olhando-a fixamente, e não balbuciando qualquer palavra por largos minutos, o seu silêncio foi contagiante. Aquela multidão de centenas de milhar de pessoas assumiu uma atitude de profundo recolhimento e eu tive a sensação de ouvir o próprio silêncio dentro do peito das pessoas. A Joana e os pequenos, que estavam junto de mim, espontaneamente deram-me as mãos, e eu sou testemunha da concentração da mais pequena, que, sendo habitualmente tão irrequieta, ali ficou de olhos fixos na capelinha, quase não pestanejando nem mexendo os lábios. Era tão profundo o silêncio que a sua mão pequena, na minha já calejada pelo trabalho e pelos anos, quase nem deixava aperceber o batimento do coração…
– Temos muitas semelhanças, Carlos! Claro que não é a mesma coisa participar numa peregrinação ao vivo, sentindo as emoções no próprio lugar onde decorrem os acontecimentos, do que assistir através da televisão, que tem um ritmo próprio para manter os espectadores atentos ao que se passa. Mas foi-me grato registar que o locutor de serviço do canal que estava a seguir se deixou, também ele, contagiar pelo silêncio, de tal modo que eu pude fechar os olhos e peregrinar espiritualmente até junto de vós, participando da vossa vivência no próprio lugar onde o Papa Francisco dialogava, em silêncio profundo, com a Mãe de Jesus.
– Não é assim muito fácil de entender que o diálogo possa acontecer através do silêncio, no mais íntimo de cada um…
– É preciso fazer a experiência do silêncio para se acreditar nesse poderoso meio de comunicação, meu caro Carlos! Toda a gente diz que “a falar é que a gente se entende”. E isso é verdade. Mas nem todos descobriram ainda que se pode falar com os lábios, se pode falar com o olhar e se pode falar com o coração. O Santo Padre, olhando com ternura a imagem de Maria, sintonizou o seu olhar e o seu coração com o olhar e o coração da Mãe. Todos nos apercebemos que houve um diálogo de sentimentos, uma declaração de amor por parte de um, e a resposta da ternura maternal por parte de Maria…
– Eu senti uma coisa semelhante, Tio Ambrósio! E no dia seguinte, logo pela manhã, a Joana, que nisto como em tudo é uma verdadeira mãe de família, convidou-nos a aproximarmo-nos o mais possível da capelina e, de novo com as mãos entrelaçadas, termos uma conversa familiar com Nossa Senhora, todos em silêncio, mas com os nossos corações sintonizados com o dela! E eu ouvi distintamente no meu interior a voz da Virgem Maria a segredar-me que lhe era muito agradável que estivéssemos ali em família, quase que unidos num só coração e numa só alma. E a Joana, já no regresso, segredou-me que se passou com ela o mesmo que se passara comigo. E até a nossa filha mais nova teve o atrevimento de me perguntar o que é que Nossa Senhora me tinha dito quando estivemos de mãos dadas em silêncio orante diante da Sua imagem.
– E tu, que lhe respondeste?
– Apenas a olhei e lhe sorri! E ela entendeu que a Mãe de Jesus me tinha dito a mim precisamente o que lhe havia dito a ela. E depois mudou de página, porque estava a aproximar-se o momento mais esperado por ela e pelas outras crianças.
– Por todos nós que, apesar dos anos, continuamos a ser meninos e a sonhar que estamos dormindo seguros e tranquilos ao colo da nossa Mãe…
– Eu estou a referir-me ao momento da canonização do Francisco e da Jacinta…
– E eu também, Carlos! Vivi esse momento como se agora tivesse a idade do Francisco…
– De São Francisco Marto e de Santa Jacinta Marto…
– Que são tão nossos que nos apetece continuar a chamar-lhes apenas Francisco e Jacinta…
– Foi o que me disse a minha pequena ao afirmar-me, que sabia que ela (e referia-se à Jacinta) estava agora inscrita no livro de registo dos santos. Mas que, como sempre fizera, iria continuar a tratá-la por tu, porque era amiga dela pelo menos desde que foi para a catequese, e que até rezavam ambas as mesmas orações…
– E venham dizer-nos que as crianças não atingem a profundidade das coisas!
– Ou que não têm entendimento suficiente do Amor de Deus para poderem ser elevadas à honra dos altares.
– Muito pelo contrário, Carlos! Eu penso que as crianças estão muito mais próximas da santidade original. E não esqueço que Jesus declarou, alto e bom som, que quem não for como elas não entrará no reino dos céus…
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