03/06/2018

É outra música

Na música, as dissonâncias também têm lugar. E não estou a falar dos desvarios de certa música contemporânea! Mesmo na música mais “clássica” e harmoniosa, por vezes, há certas notas de passagem que causam uma dissonância transitória que é imediatamente resolvida. Não se trata de fazer dissonâncias de qualquer maneira: objectivo é criar uma certa tensão que, ao ser resolvida, tem um resultado harmonioso. Aquilo que, à primeira vista, parecia ser um desacerto tolo produz um efeito delicioso. Os bons músicos, que conhecem bem a arte da harmonia, jogam com essas dissonâncias que são imediatamente resolvidas para dar sabor à música. Também é assim na nossa vida e na nossa fé. As dúvidas e as dificuldades fazem parte do percurso normal, mesmo que seja amargas e “dissonantes” enquanto o “acorde” não se concerta. Desejaríamos, talvez, não ter dúvidas de fé… Mas ter dúvidas é natural, o que é preciso é dar-lhes a volta por cima.  Embora a dúvida, em si mesma, seja um desacerto desconfortável, se for bem resolvida, no final a nossa fé torna-se mais forte, mais esclarecida, menos ingénua. Também com o sofrimento assim acontece. Na 2ª leitura de hoje, São Paulo diz palavras iluminadoras sobre esta nossa condição de cristãos na terra: somos oprimidos, mas não esmagados; perplexos, mas não desesperados; perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não aniquilados. Ou seja, Deus não nos livra do sofrimento, mas com a cruz de Cristo (que é a nossa glória!) o sofrimento ganha um sentido diferente. Deus é esse compositor genial que compôs a música que é a nossa vida, que também tem as suas “dissonâncias”. Cabe-nos a nós saber tocar essa música com arte e com alma. E tudo fará sentido no acorde final na vida eterna!
Padre Orlando Henriques

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