[Eu não queria escrever este texto, não queria entrar em polémicas, não queria magoar ninguém. Mas a voz da minha consciência dizia-me que era inevitável publicar este texto, ou outro semelhante. Não dizer nada sobre isto seria fugir à realidade, coisa que nem um padre nem um jornalista podem fazer. Perante as recentes notícias sobre o assunto, e perante uma resposta tão clara da Palavra deste Domingo a essas notícias, fazer de conta que nada se está a passar não seria honesto.]
Depois de proclamar o Evangelho, o sacerdote (ou diácono) conclui dizendo «Palavra da salvação» e todo o povo responde «Glória a Vós, Senhor». É, no fundo, um acto de fé: é acreditar que aquelas palavras que escutámos não são umas palavras quaisquer, mas são Palavra de Deus; são norma para a nossa vida, porque é o próprio Deus que nos fala a cada um a partir das palavras que escutámos; cremos que são «Palavra da salvação» porque acreditamos que ouvi-las e pô-las em prática é qualquer coisa que nos cura em ordem à vida eterna.
Pode nem sempre ser fácil acreditar que esta Palavra é salvação e que tem essa dimensão curativa. A Palavra dá “trabalho” porque nos desafia, desinstala-nos da nossa zona de conforto para nos fazer sair e caminhar por um novo caminho: o da conversão. Por vezes, perante certas passagens mais difíceis de escutar, podemos ser como aqueles judeus, que, perante as palavras de Jesus, disseram «Estas palavras são duras! Quem pode escutá-las?» (cf. Jo 6, 60). Este Domingo, Jesus diz palavras que eu não me atreveria a dizer, pelo menos desta maneira: «Quem repudiar a sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira. E se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro, comete adultério» (Mt 10, 11-12). Na verdade, torna-se doloroso dizê-lo quando temos pessoas amigas nessa situação.
No entanto, porque temos fé, cremos que alguma dimensão curativa esta Palavra há-de ter, por muito dolorosa que a sintamos à primeira vista. E, porque temos fé na Palavra, também acreditamos a melhor maneira de amar as pessoas não é iludi-las com mentiras. A tentação é precisamente essa: inventar soluções fáceis e "mágicas", dizer-lhes que está tudo bem e que podem continuar na mesma sem qualquer problema. Mas, das duas uma: ou pomos a Palavra de Deus no caixote do lixo; ou então deixamo-nos desafiar por Ela para procurar um novo caminho de conversão.
Pe. Orlando Henriques