– Embora não se tenha feito relatório, ninguém duvida das nossas conversas semanais, Tio Ambrósio! Pelo menos o Liberato anda sempre a perguntar-me qual foi o motivo da nossa conversa aos domingos e dias santos de guarda. Por exemplo, agora, quando foi a terça-feira da Assunção, lembrou-me se tínhamos mandado felicitações aos três reverendos eclesiásticos da nossa Diocese, que completaram nesse dia cinquenta anos de sacerdócio.
– E tu, que respondeste?
– Que toda a gente sabia que o Tio Ambrósio não faltava, nestas comemorações festivas, com um forte abraço de parabéns aos jubilados. E, se lá não chegaram, por qualquer atraso dos correios, aqui vão eles, repletos do desejo de bênçãos e graças dos céus. E, depois disto, trago aqui duas perguntas para lhe fazer, e que correspondem a conversas que tivemos anteriormente. Antes de mais, gostava de saber se o meu cunhado Acácio, como tinha prometido, cá veio fazer-lhe o relato, tanto quanto possível pormenorizado, da viagem que fez ao estrangeiro na companhia da Ermelinda. Eu já sei de tudo! A primeira visita que a minha cunhada fez não podia deixar de ser à irmã, a minha esposa Joana, a quem trouxe uma pequena recordação de um dos lugares por onde passaram…
– Então sabes bem mais do que eu, porque, desde a véspera da partida, em que o teu cunhado aqui veio despedir-se de mim, não voltei a botar a vista em cima do Acácio, que, como tu sabes melhor do que eu, é um homem bom, mas que se esquece com facilidade daquilo que promete, sobretudo quando não se trate de assunto de subida importância, como é o caso presente. Mas, mais dias menos dia, ele vem aí bater-me à porta, sobretudo se tiver alguma dúvida sobre aquilo que viu, como se eu fosse alguma enciclopédia de conhecimento universal…
– E não é, Tio Ambrósio?
– Não sou, Carlos! Sei umas coisitas básicas, daquelas que se aprendem na instrução primária. E mesmo essas já me falham de vez em quando, porque, como diz o Liberato, o disco rígido começa a estar gasto. E tem muita razão para isso, dado o muito uso a que foi sujeito ao longo de anos e anos. De qualquer modo estou ansioso por uma visita do Acácio, e que venha com vagar e com paciência para podermos passar em revista os momentos mais importantes do trajecto efectuado, as pessoas que encontrou, as iguarias que saboreou, os costumes daquelas gentes, e outras coisas mais. Quem tem a sorte de viajar, mesmo que não faça grande esforço de memória, traz sempre novidades, mesmo que pareçam coisas pequenas e insignificantes. Por exemplo, eu gosto que me digam como estão semeados os campos, quais são as árvores de fruto que se dão melhor, o que é que se vende nos mercados, qual é a bebida que servem nos restaurantes…
– A Ermelinda vai-lhe tirar a preguiça do corpo, Tio Ambrósio! E até nem me admirava nada se eles viessem os dois, para o Acácio ficar calado como um basbaque, e deixar falar a mulher à vontade, que aquilo são histórias que davam para uma semana seguida! Lá em casa passou ela mais de três horas para dizer à irmã que naquelas terras do norte da Europa não deve haver burros, pois não se cruzou com nenhum desses simpáticos animais. Mas logo acrescentou que o que viu foi um belo cavalo a puxar um pequeno coche turístico, e um pónei que, num parque citadino, servia de meio de aprendizagem às crianças nessa difícil tarefa de cavalgar toda a cela. Ah! E também lhe foi dado apreciar, no mesmo parque, um belo exemplar de galo calçudo, um pouco diferente dos que nós aí criamos nas nossas capoeiras…
– E a tua cunhada disse-te que por aquelas terras não há burros?
– Estamos a falar de burros quadrúpedes, Tio Ambrósio! Porque se nos referirmos a asnos bípedes, parece que há muitos, tanto lá como cá! Mas o Tio Ambrósio vai tirar isso a limpo, porque eu vou mandar recado à Ermelinda. E, se o Tio Ambrósio quiser, até pode ir almoçar connosco no próximo domingo, porque as irmãs combinaram que vão confeccionar uns maranhos para toda a família. E o Tio Ambrósio faz parte integrante da nossa família!
– Obrigado, Carlos! Essa é uma iguaria que eu muito aprecio! Antigamente, cá no Cabeço, em dias de festa, esse era um dos pratos mais típicos que, em minha casa, era servido em louça fina…
– Tem que haver alguma diferença entre os ditos maranhos e umas favas com entrecosto, que essas são servidas em pratos de barro vermelho…
– E nem por isso perdem o seu sabor, Carlos! Muito pelo contrário! Mas cada coisa se quer no seu devido lugar!
– Quer dizer que vossemecê aceita o convite para almoçar connosco no primeiro domingo de Setembro.
– Está bem, Carlos! Mas primeiro juntamo-nos todos na nossa igreja para participarmos na santa missa, às onze da manhã. Porque, cá no meu entender, entre os cristãos não pode haver verdadeira festa sem este encontro litúrgico, em que pedimos a bênção de Deus e, se for o caso, também a de Sua Mãe, Nossa Senhora Virgem Santíssima. Infelizmente, alguns já se vão esquecendo destes sãos princípios, pois nunca mais tiveram ocasião de avivar as lições de doutrina aprendidas ao colo das avós, quando havia avós que, entre muitas outras coisas boas, ensinavam os meninos a rezar. Mas, enquanto eu for vivo, cá estarei para os lembrar! Porque tenho para mim que continua a ser uma obra de misericórdia corrigir os que erram…
– E, antes disso, ensinar os ignorantes, Tio Ambrósio! A nossa experiência das lições de catequese de adultos, que, depois deste intervalo de férias, vão continuar a partir do começo de Outubro, tem-nos feito ver que, em matéria de religião e de vivência da fé cristã, o que mais se vê por aí é uma santa ignorância…
– Ignorância é pouco, Carlos!
– O Liberato afirma que se trata de uma ignorância crassa e supina!
– Isso, Carlos! E alguns lobos vestidos de cordeiros aproveitam essa circunstância para levar o nosso povo para outros rumos, pois o caminho mais fácil para o erro é sempre o da ignorância!
– Se o Tio Ambrósio o diz, eu não levanto a mais pequena dúvida!