12/11/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (12-11-2017)

– Um santo dia para si, Tio Ambrósio!
– Vem com Deus, Carlos! Mas tu deves ter-te enganado nas horas! O magusto está marcado para as três da tarde!
– Tem toda a razão, Tio Ambrósio! Mas eu preferi vir de manhã, para preparar umas coisas! O Sanguessuga também era para vir comigo, mas disse-me que teve insónias, que dormiu mal e, por isso, só vai aparecer mesmo da parte da tarde.
– E tu a que horas vais almoçar?
– Fomos à missa logo de manhã e, enquanto eu passo por aqui, a Joana foi adiantar as coisas, de tal modo que até vossemecê pode ir comer a nossa casa…
– Tu sabes bem que isso me daria muito prazer! Mas também entendes que hoje não é bem o dia mais apropriado para eu sai daqui, estando à espera de todo o pessoal do Cabeço e arredores para a castanhada do São Martinho!
– Não se preocupe, Tio Ambrósio! Foi mesmo por isso que eu resolvi passar por aqui da parte da manhã, para lhe dizer que tudo vai correr às mil maravilhas, mesmo com algumas pequenas alterações que resolvemos introduzir neste nosso encontro anual. Nós sabemos que não é neste dia que o Tio Ambrósio completa mais um aniversário, o que virá a acontecer lá para os fins da Primavera…
– Andaste a ver o meu cartão de cidadão, ou então foste ao nosso Padre Feliciano para ele verificar lá nos livros de registo da paróquia em que dia, mês e ano a minha mãezinha me deu à luz. Mas quero dizer-te que a realidade é muito diferente da que os registos apresentam. Tu talvez não saibas, mas eu esclareço-te que, naquela época, havia uma lei que obrigava os progenitores a registarem os seus rebentos no prazo de uma semana. Se assim não acontecesse, a multa era pesada e, como deves calcular, o dinheiro era pouco. Passou-se isto com dezenas e dezenas de famílias. A forma mais fácil de contornar a lei era atrasar o registo de nascimento dos filhos por algumas semanas, ou mesmo por alguns meses…
– Não me diga que o Tio Ambrósio não sabe a sua verdadeira data de nascimento e, por isso, desconhece a sua idade exacta…
– Eu conheço muito bem todos esses pormenores! Mas, tanto no meu caso, como em muitos dos rapazes e raparigas do meu tempo, celebramos o aniversário num dia muito diferente daquele em que vimos pela primeira vez a luz do dia. Por isso posso dizer que a minha data de nascimento é secreta. Embora a ti, que és como se fosses meu filho, eu um dia venha pôr-te ao corrente de todas essas coisas. Mas, por agora, convém que eu não tenha a idade que todos vocês julgam que eu tenho, embora seja do conhecimento geral e dos habitantes do Cabeço em particular que eu sou quase do tempo do Penedo da Torre.
– Estamos todos de acordo consigo, Tio Ambrósio! Mas em conselho geral dos veteranos do Cabeço foi resolvido que fizéssemos de conta que o seu aniversário acontece neste dia em que todos nos juntamos aqui à sua volta para saborearmos as suas famosas castanhas e que, para dar início a esta comemoração festiva, fizéssemos algumas alterações ao cardápio do nosso encontro. Castanhas com fartura, vamos ter!
– Cinco arrobas chegam para todos?
– Chegam, Tio Ambrósio! Mas vossemecê nunca ouviu dizer que as castanhas assadas, além de jeropiga e da água-pé, casam muito bem com umas febras de porco na brasa?
– Agora esses mestres de culinária, que proliferam por aí como tortulhos, arranjam umas combinações todas esquisitas, de tal forma que a gente nem sabe muito bem o que está a deglutir…
– Não é o caso! Muito pelo contrário! A minha cunhada Ermelinda, acompanhada de uma equipa de outras senhoras do Cabeço, andou a fazer uma recolha de receitas antigas. Até foram subsidiadas para isso pelo nosso Presidente da Junta, o amigo Liberato, com a desculpa para dar este arrombo no orçamento, dizendo que isto é cultura…
– E é, Carlos! Sabermos como se alimentavam os nossos antepassados, e como aproveitavam os frutos da terra para o sustento das famílias, é uma questão verdadeiramente cultural. Eu já te disse muitas vezes que a castanha estava na base da alimentação de muitos dos nossos antepassados. Pelo menos aqui, na minha família, costumávamos comer sopa de castanhas durante quase todo o Inverno. A minha mãe que Deus tem costumava também fazer um saboroso doce de castanhas, que era um dos que mais apreciávamos por aturas do ano novo. Mas essa de comer castanhas assadas com febras de porco grelhadas na brasa para mim é novidade! Mas aceito que seja um acepipe de a gente comer e chorar por mais! Eu sempre ouvi dizer que um homem anda a aprender até morrer.
– Pois o meu cunhado Acácio deve estar aí a aparecer, a chefiar uma equipa de voluntários, para montarem o grelhador, enquanto algumas senhoras ficaram a temperar as febras da perna do suíno que foi abatido de propósito ontem à tarde. Tudo fresquinho, Tio Ambrósio! Nós, quando pensamos numa coisa, não brincamos em serviço!
– Espero que não venhais a ter problemas com as autoridades sanitárias, que agora não costumam deixar que esses costumes antigos se cumpram, dizendo que em primeiro lugar está a saúde dos cidadãos…
– Garanto-lhe que não vai haver problema nenhum! Hoje, além de castanhas fornecidas pelo Tio Ambrósio, e da boa pinga fabricada na adega particular do nosso amigo Agostinho, vamos ter febras de porco, assadas na brasa à moda antiga. Vai ver que toda a gente vai dar por bem empregue o tempo que gastou e que a procura de castanhas para confeccionar pratos típicos vai subir no Cabeço e em outros lugares aqui das redondezas.
– Cá fico à espera para ver, Carlos! O que te posso garantir é que as castanhas não vão faltar. Este ano são mais pequenas que o habitual, mas, em vez de uma comem-se duas ou três.
– Olhe! Nem de propósito! Está mesmo a chegar a equipa do Acácio que vai instalar o grelhador! Eu, entretanto, dou um salto a casa, porque disse à Joana que não demoraria muito tempo. Até logo, se Deus quiser!
– Vai e volta, Carlos!

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