– Um bom dia nos dê Deus, Tio Ambrósio!
– A todos nós, Carlos! Incluindo até os nossos inimigos! Estou a ver que voltaste a madrugar! Olha que hoje o nosso Padre Feliciano marcou a celebração da Santa Missa para o meio-dia! Não te terás enganado nas horas?
– Eu estou habituado a erguer-me sempre cedo! Quando é possível ainda sigo o conselho daquela cantilena que todos repetíamos na escola vezes sem conta: “Deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer”.
– Também me incluo entre os que fazem desse adágio popular um princípio orientador do seu comportamento, até porque sei que a preguiça continua a ser a mãe de todos os vícios. Mesmo ao domingo, mantenho o meu horário de sempre!
– Pois eu passei por aqui agora, porque de tarde tenho aí umas voltas a dar na companhia do meu cunhado Acácio.
– Não me digas que destinastes este dia para fazer a visita a alguns doentes e pobres da nossa freguesia. É que ouvi dizer que o nosso querido Papa Francisco instituiu, para todos os cristãos, o penúltimo domingo do ano litúrgico como o “Dia Mundial dos Pobres”.
– Vossemecê está sempre em cima dos acontecimentos, Tio Ambrósio! Quem nos alertou para esta celebração foi o Liberato, já lá vão umas três semanas, no final do nosso encontro de catequese de adultos. E logo ali resolvemos fazer uma reflexão sobre este assunto, que será precedida de uma prática de estilo evangélico. Tal como os discípulos foram, dois a dois, a todos os lugares onde Jesus havia de ir, também nós nos decidimos a fazer a experiência de ir ao encontro de alguém que sintamos que vive em situação de pobreza efectiva, tentando concretizar o tema que o Papa lançou aos cristãos como um desafio para esta jornada: “Não amemos com palavras, mas com obras”.
– Aí está uma concretização daquele desejo do Santo Padre de ver a Igreja e os cristãos a levarem a mensagem de Cristo às periferias, ou seja, aos marginalizados da sociedade, aos mais esquecidos, aos que são verdadeiramente pobres, entendendo esta pobreza nos vários sentidos que ela pode ter. Porque há vários tipos de pobreza, Carlos!
– Nós sabemos, Tio Ambrósio! Mas também reconhecemos que, para além da esmola que se dá a quem estende a mão, há muitas outras formas de ir ao encontro dos que vivem nas tais periferias de que costuma falar o Papa Francisco. O Liberato recordou-nos que este deve ser um dia de verdadeiro encontro com os pobres, que se transforme numa partilha que, aos poucos, se vá tornando num estilo de vida. O Papa não se tem cansado de nos indicar o caminho, dando ele próprio o exemplo, e afirmando continuamente que Jesus se identifica com os mais pequenos e os mais pobres. “Tudo o que fizerdes a um destes mais pequeninos, é a Mim que o fazeis”– diz o Evangelho.
– Ide, Carlos! Mas não façais grande alarde dessa vossa acção! No contacto com os outros, especialmente com os que verdadeiramente precisam da nossa ajuda, temos que ser muito discretos. É ainda Jesus quem diz que, ao ajudares alguém que precisa, “não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita”. A melhor ajuda que podemos prestar aos outros é sempre silenciosa. Doutro modo, perde todo o seu valor!
– Nós estamos a aprender, Tio Ambrósio! Mas também sabemos que a celebração do
“I Dia Mundial dos Pobres” deve ter alguma visibilidade…
– Toda a gente deve saber que ele existe, que o Papa o instituiu, e para tanto tem que ser anunciado e divulgado entre os cristãos e a sociedade em geral. Mas, depois, a acção concreta dos grupos que vão para as tais periferias, deve ser o mais recatada possível, sob pena de não atingir as finalidades a que se propõe.
– Vamos fazer a experiência, Tio Ambrósio! Há por aí muita gente, mesmo alguns bons e piedosos cristãos que afirmam já não haver pobres na nossa terra. Vamos ver se isso é verdade! Vamos à cata deles, na certeza que havemos de encontrar muitos mais do que imaginávamos à partida.
– É verdade que há muitos lugares da terra onde os que sofrem de pobreza material são em muito maior número do que aqui nas nossas aldeias, onde, além do mais, já está bastante enraizado o bom costume da partilha com os que menos têm. Mas não podemos reduzir a pobreza ao seu aspecto material. Por vezes até podemos falar de pobreza moral, Carlos!
– Se podemos! Uma família onde os respectivos membros passam a vida numa zanga contínua, com insultos e até com episódios de violência doméstica, já ultrapassou há muito os limites da pobreza.
– Cá no Cabeço não conheço casos desses…
– Graças a Deus, a nossa população é toda ela cordata, com uma vida fundamentada nos bons princípios que, felizmente, ainda vão passando de pais para filhos. Mas o Papa manda-nos ir às periferias, sair da nossa rua, ir se for necessário às povoações vizinhas ou aos bairros problemáticos dos arredores das cidades maiores…
– Não vos ides atrever a tanto, Carlos! Para iniciarmos a experiência de celebração do primeiro Dia Mundial do Pobres, creio que nos basta a observação dos problemas, grandes ou mais pequenos, que estão patentes aqui na nossa freguesia. Penso que não temos casos de pessoas que passem propriamente fome. Mas começamos a ter, por exemplo, muitas pessoas de idade que não têm quem as acompanhe a uma consulta médica, quem lhes avie os medicamentos na farmácia, ou mesmo quem lhes vá comprar a mercearia à venda do Sanguessuga…
– Nesse último ponto, o Manuel das Chagas tem tudo controlado. Basta que lhe façam um telefonema, que ele se encarrega de fazer chegar as compras a toda a freguesia…
– Já é um bom serviço que se presta aos mais idosos que, só por isso mesmo, podem ser contados entre o número dos pobres.
– Eu até estou em crer que, nesta nossa primeira saída, iremos encontrar alguns casos de abandono, de gente que não tenha quem cuide da sua pessoa e das suas coisas.
– Esses são pobres, Carlos!
– Pobres ou carenciados, Tio Ambrósio?
– E qual é a diferença, Carlos? Tu sabes bem que a pobreza não diz respeito apenas à falta de bens materiais. Eu digo-te mais! Estou em crer que há muitos que precisam sobretudo de quem os ajude a recuperar os bens espirituais. Vai lá com Deus para essa vossa nobre missão!
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