10/12/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (10-12-2017)

– Boas e santas tardes nos dê Deus, Tio Ambrósio!
– A todos nós e aos nossos familiares, conhecidos, amigos e mesmo inimigos, se os tivermos! Que Deus, quando dá, é para todos. Como diz a Sagrada Escritura, que é sempre o meu livro de referência, Ele manda o sol e a chuva sobre todos, justos e injustos…
– E agora, com esta seca agravada que se instalou entre nós, bem preciso é que Deus nos mande o precioso dom da chuva. As dádivas de Deus são sempre preciosas! Mas quando a necessidade é muita, as nossas preces devem ser maiores. Sabemos, como dizem os grandes santos, fundados no Evangelho, que não é por dizermos muitas palavras que Ele nos escuta melhor, pois sabe muito bem daquilo que nós precisamos muito antes de nós Lho pedirmos…
– Creio que foi Santo Agostinho que escreveu, numa célebre carta a uma matrona romana, de nome Proba, ali por volta do ano 411, que as palavras que empregamos na oração destinam-se não tanto a lembrar ao Senhor as nossas necessidades, mas a lembrarmo-nos a nós próprios e a estimularmos a nossa devoção. Se um dia vier a talho de foice, havemos de falar mais longamente das cinco cartas que o santo Bispo de Hipona escreveu a essa viúva cristã e a Juliana, sua familiar, que o haviam consultado sobre a forma de entender o trecho do capítulo 8 da Carta de São Paulo aos Romanos ao afirmar que é o Espirito Santo que vem em ajuda da nossa fraqueza, “pois não sabemos o que havemos de pedir em nossas orações”.
– Esse seria um bom tema para o Tio Ambrósio desenvolver numa das nossas catequeses de adultos. Embora não esteja programada, parece-me que, a propósito desta falta de chuva, uma palestra sobre o que devemos pedir e forma como devemos fazê-lo cairia como sopa no mel.
– Todos nós, os cristãos, temos necessidade de meditar sobre a oração, partindo do modelo que o próprio Jesus nos deixou ao ensinar-nos o Pai-Nosso. Aliás, posso dizer-te que Santo Agostinho, na carta que aqui referimos, chega a afirmar que não há nenhum pedido bom que não esteja incluído na oração que o Senhor nos ensinou. A título de exemplo, quando dizemos que nos dê o pão nosso de cada dia, estamos a desejar que nos envie a chuva, sem a qual os nossos campos não podem produzir o trigo, o milho, o arroz ou a cevada…
– E, no “pão de cada dia”, estão incluídas também as forragens para os nossos animais…
– Está incluído tudo o que é necessário para a nossa subsistência, Carlos! Que temos nós que não seja dádiva gratuita de Deus Nosso Senhor?
– Nesse caso, no próximo encontro do grupo de catequese, eu vou propor uma lição dada pelo Tio Ambrósio, para nos explicar o sentido mais profundo duma oração que nós rezamos todos os dias, mas quase sem nos darmos conta do que estamos a dizer…
– Estes tempos de maior frio não são os melhores para eu sair de casa. Mas, lá para Março, que já é altura de sementeiras, tenho todo o gosto em partilhar convosco alguns dos ensinamentos que vou colhendo na leitura de bons livros e na meditação mais aprofundada que vou fazendo sobre a Palavra de Deus. Até podemos escolher como título para a palestra: “O que tem o Pai Nosso a ver com a plantação da batata”.
– O Liberato diria que é um título bastante prosaico…
– Eu sei que não tem a elevação devida para gente piedosa, Carlos! No entanto, podemos tirar proveito da curiosidade das pessoas, que logo pensarão que orações e batatas não cabem no mesmo saco.
– E cabem, Tio Ambrósio?
– Claro que cabem, Carlos! Então qual é a base da nossa alimentação aqui no Cabeço? É a batata, a par das hortaliças, do milho e do centeio, que agora já cultivamos em escala muito reduzida…
– Para si, a castanha continua a ter alguma importância…
– Muita importância, Carlos! Por isso, quando eu peço ao Senhor que me conceda o pão de cada dia, estou a pensar também nos meus castanheiros, sobretudo neste de grande porte que tenho aqui ao lado de casa. Tenho ali no caniço duas arrobas de castanhas que, depois de piladas, me vão servir para fazer saborosas sopas, sobretudo nesta época de maior friagem.
– A minha Joana usa mais o feijão catarino…
– Também esse entra no saco da oração do Pai Nosso, Carlos!
– A propósito de sopa, o Tio Ambrósio não se esqueça que, na noite de Natal, a ceia é lá em nossa casa! A minha mais pequena já anda toda entusiasmada com a montagem do presépio. Até me pediu para ir um bocadito mais cedo para a acompanhar na apanha do musgo, que é sempre um dos materiais que usamos em maior escala. Depois, coberto com duas mãos de farinha, até dá a impressão de um campo ou de um monte cheio de neve…
– A nossa imaginação é fabulosa, Carlos! Olha que até a neve depende da chuva! E, pelos vistos, arriscamo-nos este ano a ter um Natal com muito gelo, mas sem a neve a encher de brancura os nossos telhados e os nossos caminhos…
– Mas não vai ser por isso que o Menino Jesus deixará de descer até nós, para habitar connosco, na nossa tenda…
– Muito apropriada essa expressão, Carlos! Bem se vê que as lições da catequese de adultos têm sido proveitosas para todos, até porque são ocasião para lerdes alguns textos significativos da Sagrada Escritura.
– Eu sempre aprendi muito nestas conversas que, todos os domingos, aqui mantenho com o Tio Ambrósio! Mas digo-lhe que uma coisa não tira a outra! Posso antes dizer que uma e outra se completam, até porque muitas vezes, assim como quem se quer fazer passar por desentendido, eu puxo aqui algumas conversas que me surgem de dúvidas que me ficam dos encontros de catequese…
– Não penses que eu não tenho dado por isso, Carlos! Mas ainda bem que assim se passam as coisas, porque o importante é cada um de nós crescer em diversas dimensões, nomeadamente na dimensão espiritual da vida. Mas não te prendo mais, porque a tua filha deve continuar à tua espera para irdes apanhar o musgo para o presépio a montar em vossa casa.
– Então, fique com Deus, Tio Ambrósio!
– Que Ele te acompanhe sempre, Carlos!

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