23/07/2017

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (23-07-2017)

– O Tio Ambrósio, este ano, não vai passar uns dias de férias na praia?
– Passo aqui, no campo, que é mais barato e muito mais agradável, Carlos! E isto são férias de todo o ano, desde o dia 1 de Janeiro a 31 de Dezembro. De vez em quando saio para ver uns amigos e uns familiares afastados, mas acabo por regressar sempre aqui ao meu cantinho, que é onde me sinto mais à vontade. Coisas de velho, rapaz! No entanto não critico quem vá por aí fora, correr um bocado deste mundo tão bonito que Deus nos deu. Quem tem possibilidades e saúde, é pôr os pés ao caminho! Tu, por exemplo, já era tempo de botares uns euros de lado e levares a família a um desses sítios bonitos…
– A Joana tem um medo terrível de andar de avião, Tio Ambrósio! E se quer que lhe diga, a mim até me dá jeito que seja assim. A irmã, a Ermelinda, bem a vai atiçando com uma viagem à Terra Santa. Primeiro falava só de Roma, para ter oportunidade de ver a Papa Francisco. Mas agora, como o Santo Padre veio a Fátima, e está satisfeita a curiosidade de o ver de perto, a minha cunhada mudou de discurso, e vai dizendo que lugar bonito é Jerusalém…
– Mas ela já lá esteve, creio eu!
– Quem? A Ermelinda? Essa está farta de passear. E se o Acácio não estiver pelos ajustes, ela arranja sempre uma companheira, e diz ao marido que se arranje durante uma semana, que ele já não é nenhuma criança e tem boas mãos para cuidar de si próprio.
– Danada, a tua cunhada!
– Se é, Tio Ambrósio! Eu penso que, por estes dias, ela vai numa viagem para o norte da Europa, organizada por várias paróquias. E, desta vez, ela convenceu mesmo o Acácio a acompanhá-la, o que eu acho muito bem, porque “não deve separar o homem o que Deus uniu”. Ele ainda torceu o nariz, porque preferia ir ao Brasil visitar familiares que ali vivem há dezenas de anos, mas ela foi peremptória: “Se queres ir ao Brasil, vais sozinho, que os parentes são teus. Eu vou nesta viagem organizada, e que o senhor prior recomendou”.
– E o Acácio cedeu!
– Perante os argumentos da mulher, acaba por ceder sempre! E já anda todo atarefado, e até me disse que tem que ir a Coimbra comprar umas sapatilhas confortáveis, porque os anos pesam a todos e os joanetes dão cabo dos pés de qualquer cidadão, por mais honesto que seja.
– Esses males não têm nada a ver com a honestidade, Carlos! Joanetes tenho eu já vai para trinta anos. E agora até me apareceu um espigão aqui no pé direito…
– Costuma ser nos dois!
– Para penitência, basta um, Carlos! Mas eu cá me vou aguentando com uns banhos de água e sal, e uma esfregação de bagaceira canforada, que é um tratamento que já os velhotes faziam quando eu ainda era rapaz.
– Mas o Acácio não vai nisso! Para andar aí na agricultura servem-lhe umas botas com rasto de pneu. Mas para viajar, não! Nem a Ermelinda se sentava ao lado dele por lá, naqueles restaurantes, e nas visitas guiadas aos museus e às igrejas, se não fosse bem arranjado, pois costuma dizer-lhe: “Ó homem! Nós somos pobres, mas não somos nenhuns pelintras”.
– E não são, Carlos! Mas por vezes aparecem por aí alguns turistas estrangeiros que… valha-nos Deus!
– Esses são os turistas de pé descalço, Tio Ambrósio! E olhe que eu até simpatizo com alguns, quando andam limpos e são bem educados. Um domingo destes, quando eu ia daqui para casa, apareceu-me um casal de italianos, que se esforçavam para se fazerem entender, o que não foi difícil, porque já arranhavam algumas palavras, e a maioria são semelhantes às nossas. Vinham ambos de mochila às costas, com botas de lona, e perguntaram-me onde é que se podia comprar pão e água.
– E tu indicaste-lhe a loja do Sanguessuga?
– Não, Tio Ambrósio! Levei-os foi comigo para casa, e perguntei-lhes se eram servidos de comer uma sopa com a minha família. Entenderam perfeitamente a palavra sopa e a palavra família, e não se fizeram rogados. A Joana ainda estranhou um bocado quando me viu entrar em casa na companhia dos jovens, mas depois nem foi preciso explicar-lhe. Pôs mais dois pratos na mesa, e comeram connosco o almoço familiar. O rapaz trazia uma viola às costas e, a certa altura, perante a curiosidade da minha filha mais nova, perguntou se podia cantar uma canção italiana. Todos percebemos perfeitamente, porque cantar se diz da mesma forma nas duas línguas.
– E cantaram?
– Em vez de uma, cantaram umas três ou quatro. Mas depois, com os estômagos aconchegados com a sopa da Joana, perguntaram-me qual era o melhor caminho para Fátima. Fiquei contente, porque me pareceram pessoas de fé, e no final da refeição até deram graças connosco. Depois despediram-se e lá partiram. Nunca mais soube nada deles, mas achei graça a este modo de conhecer o mundo, com algum esforço, mas com pouca despesa.
– Os jovens sempre foram assim, Carlos!
– Eu não, Tio Ambrósio! Nunca fui muito aventureiro, mas agora sinto-me bem a fazer o bem. E eu acho que é uma boa acção dar um pouco de comida e água fresquinha a quem passa à nossa porta.
– Mas não vais pensar que o Acácio e a Ermelinda vão andar por lá com a trouxa às costas!
– Não, Tio Ambrósio! Parece que está tudo organizado ao pormenor, e até já sabem quais os hotéis em que vão pernoitar e os restaurantes onde vão saciar a fome, embora as comidas por lá não sejam tão suculentas como as nossas. Isto digo eu, por informação que me prestou o Liberato que, neste capítulo, parece que já passou por experiências pouco agradáveis…
– Ao fim e ao cabo, acaba por dar tudo certo! Bem pena tenho eu de não os poder acompanhar. Mas tu não te vais esquecer de dizer ao Acácio que eu fico à espera de um relato quanto possível fidedigno dos locais por onde passaram, das gentes que encontraram e da gastronomia que saborearam.
– E tudo com documentação fotográfica, Tio Ambrósio!
– Ou, pelo menos, com a ajuda de uns postais ilustrados!
– Fique descansado que, mesmo que o Acácio se esqueça, a Ermelinda vai servir de despertador!

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