15/04/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (09-04-2017)

– O Tio Ambrósio desta vez primou na composição do seu ramo para a bênção e a procissão deste domingo…
– Dei-me ao cuidado de enfeitar o meu ramo de loureiro com mais algumas verduras e, depois, achei que ficava bem, ali no meio, uma flor encarnada. Como tenho aí roseiras de várias cores, foi só escolher a mais bonita. Mas reparei que não fui o único a esmerar-me em apresentar, neste domingo, um ramo que se visse…
– A mim, os meus pequenos fizeram recordar-me os meus tempos de infância, em que os miúdos da catequese fazíamos uma verdadeira competição para ver qual era o que conseguia os maiores louvores das pessoas idosas que, já naquele tempo, se reviam nos netos, nos sobrinhos e nos filhos dos vizinhos. Eu tinha sempre assegurado um enorme ramo de loureiro que o Tio Eduardo que Deus tenha em bom lugar sempre reservava para mim.
– É pena não termos agora mais meninos e jovens na catequese para darem vida a esses costumes que correm o risco de desaparecerem…
– Não vai ser tão depressa, Tio Ambrósio! Cá na aldeia somos menos, mas continuamos a ser bairristas, tentando preservar todos os bons costumes…
– E há sempre lugar para algumas inovações, Carlos! Também não é preciso que seja tudo tal e qual como se fazia há cinquenta ou sessenta anos. Nós somos um povo que procura conservar os seus costumes antigos, mas estamos abertos às novidades que não colidam abertamente com as nossas tradições. Por exemplo, penso que, nestes últimos anos, todos aceitamos bem que a visita pascal se faça toda no domingo, saindo várias cruzes…
– Isso já é um dado confirmado, Tio Ambrósio! E, tal como aconteceu em anos anteriores, as nossas mulheres integram o número dos escolhidos para este serviço pastoral à comunidade. Este ano até haverá um grupo formado só por senhoras da nossa aldeia. E, como também já acontece há alguns anos, são os doze elementos das três equipas, quase como que simbolizando os apóstolos, que participam, em Quinta-Feira Santa no cerimonial do lava-pés…
– Lá estás tu, mai-lo Sanguessuga e o teu cunhado Acácio! Mas falta-vos um elemento, porque ouvi dizer que o Quintino este ano ia passar a Páscoa com o filho, a nora e os netos, que estão para a Suíça…
– Uns vão e outros vêm, Tio Ambrósio! O Zurbalino, que passou mais de quarenta anos no Canadá, resolveu regressar de vez e, embora esteja um pouco destreinado destas coisas, aceitou de boa mente fazer parte do nosso grupo. Em tudo é preciso renovação, Tio Ambrósio!
– Muito me agrada esse espírito de integração dos que voltam ou se fixam de novo na nossa terra. Eu até me parece que um casal de holandeses escolheu o Cabeço para passar pelo menos metade do ano…
– E atrás de uns vêm outros. A casa onde viveu o Tio Germano está vendida a uns ingleses que a querem renovar e transformar numa espécie de residência de Verão…
– Esperamos que estas vindas não descaracterizem as nossas raízes culturais, a começar pelo aspecto religioso. O Cabeço sempre primou por afirmar a sua fé católica e os costumes daí decorrentes.
– Não tem existido qualquer problema. Nós somos pessoas civilizadas e sabemos respeitar as convicções de cada um. Por vezes o mais difícil é a língua. Mas, dando uma no cravo e outra na ferradura, lá nos vamos conseguindo entender. E quem está mais feliz com esta renovação populacional é o nosso amigo Sanguessuga, que tem agora uma clientela mais variada.
– O anúncio da alegria pascal também é para essas famílias que passam a integrar a comunidade…
– Para já, todos os que têm procurado a nossa aldeia são cristãos católicos como nós. Só há um inglês que, apesar das pequenas diferenças do seu rito, não tem nenhum problema em participar nas nossas celebrações festivas. E até já disse que também quer ir cortar um pouco de junquilho e um molho de alecrim para enfeitar o átrio da sua porta, porque não dispensa que o anúncio do Senhor Ressuscitado não seja proclamado também na casa que anda a remodelar.
– Está então tudo preparado para que a comemoração da Páscoa do Senhor tenha, na nossa terra, o brilho que sempre teve. É pena que já se ouçam poucas campainhas a anunciar a chegada do feliz anúncio!
– Também estamos a pensar nisso, Tio Ambrósio! Antigamente, todos os meninos da catequese iam ao seu rebanho tirar a campainha de uma das cabritas ou pediam ao Tio Jerónimo uma das coleiras dos bois para, à frente do cortejo festivo, anunciarem a seu modo a chegada da Cruz Gloriosa de Cristo morto e ressuscitado. E, como sabe, nem faltavam os foguetes para todos saberem se faltava muito para abrirem a sua porta e receberem familiares e amigos que não faltavam nesta ocasião…
– E tudo isso acabou!
– Não, Tio Ambrósio! Os miúdos é que são poucos! Mas campainhas não faltam, pois todos guardam como relíquia as campainhas dos bovinos e dos rebanhos de cabras. Daí que estejamos a fazer uma campanha para que, à falta de meninos, sejam os adultos a vestirem o seu fato domingueiro e, quando lhes for possível, a acompanharem a Santa Cruz que vai de casa em casa a anunciar a feliz notícia da Ressurreição de Jesus. O ano passado já se ouviram algumas. E, este ano, estamos a contar com um número maior. Até o nosso amigo inglês, sabendo que se trata de um costume antigo da nossa terra, pediu uma campainha cabreira para assinalar, à sua porta, a passagem do Senhor.
– Muito me agrada ouvir essas notícias, Carlos! E eu até sei que, este ano, é o teu grupo que vai fazer a volta que passa aqui à minha porta. Como deves calcular, cá estarei a aguardar a vossa vinda com alegria. E sei que não vou estar sozinho, pois o meu afilhado Jacinto já me anunciou que não iria faltar, e tenho a certeza que pelo menos metade dos habitantes do Cabeço hão fazer os possíveis e os impossíveis para virem beijar a Santa Cruz a minha casa, tal como eu farei, em retribuição, até onde me deixarem ir as pernas.
– Cá nos encontraremos, Tio Ambrósio!
– Se Deus quiser, Carlos!

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