10/05/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (07-05-2017)

– O Tio Ambrósio não vai ficar zangado comigo! Mas eu sempre me resolvi a ir a Fátima nos dias 12 e 13 de Maio, porque a Joana não se calava, e com alguma razão…
– Com toda a razão, Carlos!
– Depois houve a feliz coincidência de haver uma desistência nos ocupantes do autocarro alugado pelo Liberato, que logo me veio comunicar a feliz novidade. E eu, que já andava com algum remorso em deixar ir a Joana sozinha com os pequenos, disse-lhe que contasse comigo. E lá vou! Tenho é muita pena de deixar o Tio Ambrósio sozinho, quando já tínhamos combinado ir ver todas as cerimónias a minha casa, na televisão nova, que quase parece uma sala de cinema…
– Fico muito feliz por ti, Carlos! E quanto a mim, não tem importância nenhuma, pois eu já estou habituado a passar longas jornadas sem ninguém à minha volta. Essa até é uma das melhores coisas que me acontecem quando eu quero fazer uma mais profunda meditação sobre a vida. E não penses que eu vou ficar sozinho! Nestas ocasiões, como quase em todas as outras, há sempre alguém que gosta da nossa presença, que agradece um pouco de calor humano…
– Temos aí alguns doentes acamados, Tio Ambrósio…
– Vês como tu até és capaz de adivinhar as minhas intenções? Na sexta à tarde saio daqui e vou com o meu passo até casa do Manuel Crispim, que tem andado atrapalhado da saúde. Disse-me o filho, que encontrei um dia destes, que ele, ultimamente, nem tem saído de casa, e pouco sai da cama. Logo pensei que tinha que pôr os pés ao caminho e fazer-lhe uma visita. Calha mesmo agora! E como o Crispim é um homem muito religioso e devoto de Nossa Senhora de Fátima, tenho a certeza que vai gostar que eu assista com ele às cerimónias através da televisão. E até vamos aproveitar para rezar os dois algumas orações, acompanhando os peregrinos…
– É um bonito gesto esse, Tio Ambrósio! E tenho a certeza que, em muitas aldeias de Portugal, não deixará de ser imitado, sobretudo pelos visitadores de doentes.
– Por isso, cada um no seu lugar! Se eu tivesse uns anitos a menos, seria dos primeiros a pôr os pés ao caminho até à Cova da Iria, que é um lugar onde sinto uma paz e uma tranquilidade que, no meu entender, só podem vir do céu. Mas como a idade não perdoa, fico-me por cá, visitando o Crispim ou mais algum acamado de que eu tenha conhecimento, e rezando com eles em sintonia com o Santo Padre e as centenas de cristãos que, nesses dias, vão encher por completo o recinto do Santuário. Sinto que, nestas circunstâncias, é aqui o meu lugar…
– E pode crer que eu fico um bocado dividido, Tio Ambrósio! Também gostaria de ficar consigo…
– Não, Carlos! O teu lugar é lá, acompanhando a tua família, porque Nossa Senhora dedica especial carinho maternal às famílias que sabem viver em comunhão de sentimentos e partilhando o dom da fé.
– Vou preparar-me o melhor que possa, Tio Ambrósio! Eu não sei como irei ser capaz de conter o entusiasmo dos pequenos, que já não falam de outra coisa há várias semanas. Então a mais nova anda delirante pelo facto de poder assistir à canonização da Jacinta, de quem ela é uma especial devota. E eu aproveito para lhe ir dizendo que os santos, e neste caso, os pastorinhos de Fátima, são exemplos que o Senhor coloca no nosso caminho para nós procurarmos imitar.
– E, certamente, imitam…
– A mais pequena imita, Tio Ambrósio! Se algum dia jantamos mais tarde, no final é ela que nos lembra que ainda não rezamos o terço. E logo a Joana, mesmo a lavar a louça, começa a nomear os mistérios, que ela sabe na ponta da língua…
– Graças a Deus que ainda temos crianças assim, Carlos! Hoje não é fácil transmitir aos mais novos o maravilhoso do mundo espiritual. Os mais novos perdem-se em jogos de computador…
– Também há jogos e filmes que despertam o coração dos jovens para a vida da piedade…
– É preciso saber aproveitá-los, Carlos! Quando tu eras pequeno, as imagens que vinham nos catecismos eram suficientes para despertar a tua curiosidade. Mas agora existem, felizmente, outros meios para prenderem a atenção das crianças e dos adolescentes. Eu não percebo muito disso, mas sei que há catequistas que aproveitam as novas tecnologias, incluindo os telemóveis e as redes sociais, para lançarem desafios de aprendizagem aos mais novos.
– Por vezes lamentamo-nos que as novas gerações perderam o interesse pelo sagrado e pelo divino e, se calhar, andamos enganados. O que é preciso é apresentar-lhes o mundo espiritual numa linguagem que eles entendam…
– Vai pensando nessas coisas enquanto, lá em Fátima, estiveres a ouvir a homilia do Papa Francisco, porque ele é muito sugestivo nas imagens que apresenta na sua pregação…
– Não irei perder uma palavra, Tio Ambrósio! E tenho a certeza que a minha filhota mais pequena, quando chegar cá, vai ser capaz de lhe repetir, quase palavra por palavra, a fórmula que o Santo Padre usar no acto de canonização dos pastorinhos!
– Poderei ler tudo isso nos jornais, Carlos! Eu verei todas as coisas na televisão, mas não dispenso a imprensa escrita. Impressa num jornal, a homilia do Papa Francisco tem outro peso, pelo menos para os velhotes da minha geração. Estando impressa, a gente pode guardá-la e, passado um dia ou dois, voltar a lê-la para lhe aprofundar o sentido. O mesmo se passa com outros textos importantes, como sejam os das leituras da Palavra de Deus em cada domingo. Quando a gente só ouve, facilmente pode esquecer! Mas, se tiver um missal, no dia seguinte, se lhe surgirem dúvidas, pode tirá-las com uma releitura dos textos. A mim, isso acontece-me vezes sem conta. Então com esta memória, já gasta pelos muitos anos, o que me vale é ter os livros à mão.
– Ainda um dia teremos ocasião de abordar melhor esse assunto…
– Não hão-de faltar oportunidades, Carlos! Agora vai lá com Deus, e não te esqueças de rezar uma Avé Maria por mim a Nossa Senhora de Fátima.
– Prometido é devido, Tio Ambrósio!

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