15/06/2017

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (11-06-2017)

– Parece que não vens nos teus melhores dias, Carlos! Essa cara não faz transparecer aquela alegria que exibes nos teus dias de melhor humor…
– Já o Liberato, no fim da missa, me disse a mesma coisa! Mas eu não vejo nenhuma razão especial para isso. A não ser que o que se passa em Portugal e um pouco por todo o mundo encha todos os corações de alegria, menos o meu.
– Então conta-me quais são as tuas grandes preocupações. O Liberato diria que se trata de preocupações existenciais…
– Não, Tio Ambrósio! Mas, por mais que me digam que sempre houve estes desmandos em Portugal e no mundo, eu não sou capaz de fechar os olhos à realidade para concluir que, se o homem não muda de rumo, isto qualquer dia vai mesmo tudo por água abaixo.
– Podias ser um bocadinho mais concreto, Carlos!
– Cá é o que se vê, Tio Ambrósio! Os casos de corrupção multiplicam-se como cogumelos depois das chuvas, não havendo dia nenhum em que não apareça mais um caso de dois ou três nomes, bem conhecidos na praça, que se meteram em esquemas de favores e de outras aldrabices, tendo a intenção de se abotoarem com os bens alheios. Não é preciso que eu lhe diga nomes, pois não, Tio Ambrósio? Aqueles homens impolutos que estiveram durante anos em cargos de grande responsabilidade, afinal o que fizeram sempre foi tentar ver qual era a melhor maneira de meterem a mão no bolso dos pobres portugueses. Um dia destes tive uma longa conversa com o Sanguessuga, e ele ainda está mais preocupado que eu. Por exemplo disse-me que, hoje em dia, nenhum cidadão, a começar por ele próprio, pode ter a mínima confiança nos bancos e outras instituições de crédito…
– Eu sou um pobre e, por isso, não preciso de lidar frequentemente com esse mundo do capital. Mas entendo que haja cidadãos preocupados com a forma como são geridas as suas poupanças…
– É o caso do Sanguessuga, Tio Ambrósio! Até há meia dúzia de anos atrás, ou talvez um pouco mais, ele tinha inteira confiança nas instituições bancárias, louvando mesmo os seus gestores de conta que, sem deixarem de zelar pelo lucro de quem lhes paga o vencimento, tinham também alguma deferência pelos depositantes. E nisto, quase toda a gente com quem tenho abordado o assunto, concorda que a nossa banca perdeu toda a confiança que os pequenos aforradores portugueses nela colocavam…
– Quem te ouvir até há-de pensar que tens depósitos chorudos em alguma dessas
instituições lucrativas…
– Não tenho, Tio Ambrósio! Mas digo-lhe que, desde novo, me habituei a poupar hoje aquilo que amanhã me pode vir a ser preciso. Eu dou-lhe um exemplo. Quando eu vi que as instalações para criar os bezerros estavam já a precisar de reforma, não andei com o carro à frente dos bois, como vejo fazer a muita gente, mas disse à Joana que tínhamos que amealhar o mais possível. E, com a ajuda dela, fui depositando, num dos balcões bancários na vila, um mês cem, outro mês cinquenta, até que me pareceu que estava em condições financeiras de remodelar os estábulos. Eles, quando eu fui levantar o pecúlio, ainda me acenaram com um crédito que, segundo o gerente, seria vantajoso, mas eu disse logo que não. Não sou homem de andar a dever seja a quem for, e muito menos à banca que, como diz o Liberato, nasceu cega e sem coração.
– E confiaste as tuas poupanças a essa instituição bancária!
– Nesse tempo eu confiava inteiramente neles! Agora é que, vendo os desvios de fundos e aquilo a que o Sanguessuga chama de “roubalheira organizada”, comecei a pôr o pé atrás, até porque já vi alguns depositantes a ficarem sem parte do que foram amealhando ao longo da vida. E para lhe ser franco, estes casos levam-me a dizer que hoje não tenho a mais pequena confiança nos bancos…
– Só nos bancos?
– Nos bancos, nos banqueiros, nos políticos e em muita outra gente que só sabe olhar para o seu umbigo, não tendo a mínima consideração pelo bem dos seus semelhantes e pelo bem da comunidade local, nacional e mesmo mundial. Um político que siga a filosofia do egoísmo totalitário deixa-me seriamente preocupado. Por mais poderoso que seja, um homem com responsabilidades de governo nunca pode menosprezar os outros, dizendo que “desde que eu esteja bem os outros que se tramem”.
– Disseste que se tramem, ou eu não ouvi bem…
– Podia ter dito que se trampem, mas não disse, Tio Ambrósio. Embora esse cavalheiro me mereça ainda menos confiança que algumas instituições bancárias, por causa da sua arrogância e, como diz o Liberato, da sua pesporrência, eu não sou capaz de condenar o homem…
– Fazes bem, Carlos! Devemos condenar o erro, deixando para os juízes a condenação daqueles que erram…
– Mas alguns são mesmo uns tratantes, Tio Ambrósio! E perdoe-me a franqueza de dizer que esse é um deles…
– Tem calma, Carlos! Ultimamente tens andado um pouco nervoso e ferves em pouca água. Algum distanciamento dos casos pontuais é sempre necessário para fazermos uma avaliação mais correcta dos acontecimentos. E então, quando se trata de avaliar as pessoas, temos que pensar sempre duas vezes.
– O Tio Ambrósio não leu aquela passagem do Evangelho em que Jesus chama uns certos cavalheiros de “sepulcros caiados”?
– Mas Jesus tinha um conhecimento do coração humano que tu não tens e eu não tenho…
– Pois tinha! E eu gostava que Ele estivesse agora num lugar que eu sei, em frente de um senhor que eu sei, para, de olhos nos olhos, embora com todo o respeito, lhe dizer que ele é um “sepulcro caiado”, porque, ou por birra de menino rico, ou para agradar a alguns dos seus apoiantes, pode pôr em risco a saúde de milhares de milhões de seres humanos e o próprio futuro da vida deste planeta que é a nossa casa comum.
– Há erros irreparáveis, Carlos! Mas eu continuo a acreditar que o bem há de sempre triunfar sobre o mal, e que, mais tarde ou mais cedo, os homens se vão entender sobre o modo de conciliarem o progresso com a ecologia.
– Deus o ouça, Tio Ambrósio!

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