30/06/2017

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (25-06-2017)

– Com esta caloraça toda, um homem nem sabe onde é que se há-de meter, Tio Ambrósio!
– Aqui à sombra do meu castanheiro não se está nada mal, Carlos! Além disso, aquela bica de água, que corre permanentemente ali ao cimo do quintal, traz ainda uma maior frescura a este sítio. É verdade que nem todos têm a sorte de viver num lugar assim…
– São privilégios da natureza que não são concedidos a todos!
– Alguns também não sabem aproveitar aquilo que lhe é concedido de graça, Carlos!
– Ou que pode ser conquistado com pouco esforço, Tio Ambrósio! Temos aí conterrâneos nossos que, ao pé da porta, em vez de plantarem um castanheiro assim como o seu, preferem um eucaliptal…
– Pois claro, Carlos! Um castanheiro deste porte demora umas dezenas de anos a tornar-se adulto, enquanto os eucaliptos crescem a olhos vistos e, se não vier a foice vermelha, dão lucro dentro de pouco tempo. Por isso, há que fazer escolhas, porque os benefícios não cabem todos no mesmo saco. E eu determinadamente prefiro a benesse desta sombra benfazeja!
– Também nisso nos dá uma grande lição, Tio Ambrósio! Mas como vossemecê não aceita louvores de ninguém, limito-me a pedir-lhe licença para usufruir um pouco da frescura desta sombra…
– Os bens que Deus nos deu são para todos! Há duas coisas que eu nunca nego a ninguém, porque são dádiva gratuita do Criador: esta sombra que refresca e o uso daquela tigela que está ali ao pé da bica de água e que tem matado a sede a milhares de pessoas. Quando eu nasci já cá encontrei quer a sombra quer a água, e, quando eu partir, cá ficarão para uso de todos os que por aqui passarem em busca de refrigério ou cansados e mortos de sede…
– Isso agora já não é assim tão evidente, Tio Ambrósio! Quem vier a herdar esta propriedade pode muito bem não querer dividir com os demais estas regalias, sendo provável que mande erguer um muro que não permita a passagem de quem deseje aproximar-se. E até pode botar aí uma tabuleta a informar que isto é propriedade privada, e outra a alertar para a presença de um cão de guarda…
– Há por aí muita gente assim, Carlos! Até tu serves de exemplo, pois não é muito fácil penetrar no espaço envolvente da tua casa…
– Teve que ser, Tio Ambrósio! A segurança assim mo exigiu…
– São opções, Carlos! Eu não te condeno por isso! Mas noto precisamente que, de há uns anos a esta parte, parece que, mesmo nas nossas aldeias, vivemos todos com medo uns dos outros. Tu nem sabes as saudades que eu tenho dos anos passados, quando todos íamos à nossa vida e deixávamos a chave na porta…
– Também não tínhamos coisas de grande valor, Tio Ambrósio! Nem oiro, nem prata, nem objectos de arte…
– Sempre guardávamos na arca um ou dois moios de cereal, e tínhamos na salgadeira o conduto para todo o ano…
– E havia muito mais respeito pelo bem alheio, pois toda a gente repetia para a sua consciência que era pecado grave “roubar, reter ou danificar os bens do próximo”. E todos aprendíamos estes princípios nas lições semanais da doutrina cristã. Não era, Tio Ambrósio?
– E esses princípios eram transmitidos em casa logo de pequenos…
– Nem todos, Tio Ambrósio! Em todas as aldeias havia uma ou outra família que, por necessidade ou por desatino, faziam ouvidos moucos dessas recomendações que o nosso Padre Feliciano repetia, na sua pregação, várias vezes ao ano…
– Eram casos raros, Carlos!
– Mas, infelizmente, os tempos mudaram para pior, e hoje não se respeita aquilo que o próximo adquiriu com o suor do seu rosto. E não é apenas aquilo que se tem no celeiro. Mesmo nos campos é preciso ter muita atenção com os amigos do alheio. Ainda há dias, o Quintino ficou sem cinco sacos de batata, da que agora veio no cedo. Porque tinha o tractor a arranjar, não quis estar a incomodar ninguém, e deixou parte da colheita para transportar no dia seguinte. E já não foi preciso ter essa preocupação, porque lhe vieram dizer que uma carrinha de caixa aberta tinha estado a carregar, perto das duas da manhã, uns sacos na terra que ela amanhava…
– Isso é que são uns safardanas, que não merecem outro nome! Então andou o rapaz a ter um trabalhão desses, que só quem semeia é que sabe o que lhe custa… e vem um larápio sem consciência e leva o que não lhe pertence?! Pouca vergonha!
– Mas o Tio Ambrósio ainda não sabe da história metade…
– Mais?
– Essa mesma batata não era para consumo do ladrão, mas para abastecer um lugar que vende frutas e hortaliças em Coimbra.
– Não, Carlos!
– Sim, Tio Ambrósio! E não foi este o único caso de roubo levado a cabo pelo tal da dita carrinha. O meu cunhado Acácio, no ano passado, mal chegou a provar os melões que cultivou numa terra que amanha ao pé da ribeira. Parece que também foram vendidos no mesmo lugar que transacionou as batatas do Quintino!
– Não posso acreditar! Eu nunca dei conta que me desaparecesse fosse o que fosse aqui do meu quintal.
– Vossemecê só semeia dois regos de favas, um canteiro de alface e três palmos de cenouras…
– Para mim é o bastante, Carlos! Mas entendo que quem bota a mão ao alheio se não queira sujar assim com coisa tão pouca.
– Vossemecê tem tudo aqui ao pé da porta, Tio Ambrósio! O pior é para quem cultiva terras longe da povoação, à beira dos caminhos…
– Não temos nada seguro, Carlos! Mas isso não me vai fazer mudar de procedimento. Até porque eu estou sempre a oferecer o que cultivo no quintal a toda a gente que por aqui passa. A propósito… não queres levar uma ou duas couves repolhudas que, apesar do calor, estão ali mesmo a pedir que as comam?
– Acho que vou aproveitar, Tio Ambrósio! As minhas ainda estão atrasadas e penso que a Joana vai preparar cozido para o almoço…
– Leva à vontade, Carlos! Assim já não corro o risco de me ver sem elas e atribuir o “desvio” a este ou àquele. Porque eu nunca gostei de apontar o dedo fosse a quem fosse. E não sou nenhum santo!

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