16/07/2017

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (16-07-2018)

– Como tem o Tio Ambrósio resistido a estas mudanças constantes das temperaturas? Tanto vem uma semana de calor escaldante, com tempo abafado, que é de a gente botar a língua de fora, como, logo a seguir, a temperatura desce meia dúzia de graus e vêm umas saraivadas que nos deitam a fruta toda no chão. Eu, graças a Deus, ainda não tenho grande razão de queixa. Mas aqui mesmo ao lado, em Chancas de Cima, o granizo deu prejuízos avultados, nomeadamente nas vinhas e nos alivais…
– Não somos nós que mandamos no tempo, Carlos! E há anos promissores, que, de um momento para o outro, se tornam em anos de míngua. Eu também me não posso queixar, por enquanto. Como vês, aqui o meu castanheiro está aí a prometer umas boas arrobas de castanhas. Por outro lado, aqui ao lado, a bica da água ainda não secou, o que é quase um milagre, porque toda a gente vai dizendo por aí que o nível dos poços baixou bastante, e alguns estão mesmo a secar. Eu ainda posso regar as hortaliças no quintal, além de ter criado cinco sacos de batata que, para mim, são mais que suficientes para o ano inteiro…
– Por vezes temos esta tendência a queixar-nos de tudo, Tio Ambrósio! Se temos muito, não somos capazes de escoar o produto e lamentamo-nos que não venha lá de cima um subsídio compensatório; se temos pouco, reclamamos umas linhas de crédito especiais para podermos repor, num futuro próximo, o que agora perdemos…
– A vida dos agricultores sempre foi muito dura e muito ingrata, Carlos! E ainda bem que agora as coisas mudaram de feição, e que aquilo que nós aqui produzimos nem sequer chega a contar para as estatísticas. Os nossos campos estão praticamente desertos e o que produzimos é para a nossa subsistência…
– Por isso é que os que tinham algum porte deixaram estes sítios e foram em busca de lugares onde a vida se possa levar com menos sacrifícios…
– Por vezes é um engano, Carlos! Mas temos que reconhecer que a maior parte dos que abandonaram as aldeias conseguiram uma vida mais desafogada e com outras regalias. Como me dizia há dias um afilhado meu, que teve que emigrar para se sentir realizado e poder educar os filhos, se ficasse aqui nunca teria passado da cepa torta. Agora tem um bom automóvel, uma casa equipada com tudo o que é necessário, e os filhos puderam estudar, e o mais velho já anda mesmo na universidade.
– Eu, felizmente, não tive necessidade de ir por esse mundo fora à procura de meios de subsistência. Também nunca tive desejos de grandezas, e, tanto eu como a minha família nos sentimos felizes com este tipo de vida simples que levamos. Deus não nos tem faltado com o necessário, e eu agradeço-Lhe esta vida calma e tranquila que nos tem proporcionado, a mim e aos meus. E o Tio Ambrósio também não o tenho visto queixar-se…
– Eu sou um homem pacífico e tranquilo, Carlos! No entanto acho que as nossas aldeias do interior, que é onde eu gosto de viver e onde me sinto feliz, têm sido muito esquecidas por aqueles que, sucessivamente, vão assumindo o poder, prometendo tudo fazer para o bem de todos e não apenas de alguns.
– Vem aí o tempo das promessas, Tio Ambrósio! Já não faltam três meses para as autárquicas e até me admira como é que os candidatos ainda não começaram a dizer que vão fazer isto e mais aquilo…
– Aqui no Cabeço nem sei se alguém se vai atrever a fazer oposição ao Liberato dos Santos, que tem sido um autarca exemplar e que toda a gente estima como bom cidadão que é, e como bom chefe de família.
– Então o Tio Ambrósio não está bem informado nesta matéria! Já está anunciada uma outra candidatura, mas constituída quase exclusivamente por achadiços…
– Não os conheço!
– Nem eu! Por isso é que são achadiços! Uns vivem em Lisboa, mas dizem que têm raízes cá na povoação, porque eram daqui os seus bisavós, ou os padrinhos de casamento de uma tia que já morreu; outros foram indigitados pela força política que os apoia, mas nunca ninguém os tinha visto nem mais gordos nem mais magros; e um terceiro elemento é neto de um emigrante que, aqui há mais de quarenta anos rumou para França em busca de melhores condições de vida. Mas foi e nunca mais voltou…
– Não vejo nenhuma razão plausível para não concorrerem! Qualquer cidadão no pleno uso dos seus direitos cívicos pode candidatar-se…
– Se tiver quem o apoie, Tio Ambrósio! As candidaturas precisam de um mínimo de assinaturas de cidadãos residentes, o que não sei se acontece no caso de que estamos a falar. De qualquer modo, eu estou certo que a candidatura independente do Liberato vai conquistar uma maioria absoluta de votos, até porque toda a gente sabe que o nosso autarca não fica com um único cêntimo do pequeno ordenado que aufere como Presidente da Junta. Tudo o que vier é gasto em benefício de todos os cidadãos, sendo de louvar o arranjo que, com esse fundo, foi dado à casa da Tia Maria Benedita, que tinha o telhado, as portas e as janelas em condições muito precárias.
– Já sabia desse gesto de generosidade do Liberato, e até um dia, à saída da Missa, lhe dei um abraço e o incentivei a continuar por esse caminho de serviço à nossa terra…
– Mas não pense que são todos assim, Tio Ambrósio!
– Nem é obrigatório que sejam, Carlos! Se está estabelecido que estas funções sejam remuneradas com um vencimento, grande ou pequeno não importa, quem as ocupar tem toda a legitimidade de arrecadar o que lhe pertence. Mas isso não tira nada ao gesto meritório, e cheio de altruísmo, do Liberato. De resto há homens bons em toda a parte! E aqui no Cabeço é já uma tradição os autarcas encararem os seus mandatos como um serviço e não como uma fonte de lucro. O Manuel Lopes, que é considerado um dos dinossauros do poder autárquico, nunca se serviu da Junta para seu lucro pessoal…
– Isto de viver no Cabeço e sentir o Cabeço é diferente, Tio Ambrósio!
– Diferente para melhor, Carlos!

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