10/09/2017

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (10-09-2017)

– Boas tardes, Tio Ambrósio!
– Vem com Deus, Carlos! Estava aqui mesmo à tua espera, porque fiquei com curiosidade em saber o que se passou nesse encontro para que foste convidado no passado domingo. Cheirou-me a qualquer coisa relacionada com as eleições autárquicas do primeiro de Outubro…
– Eu também pensei que fosse esse o assunto que estivesse na origem da convocatória feita pelo Liberato. E até poderia ser útil para todos nós que ele nos pusesse a par do seu programa para este novo mandato…
– Quer dizer que os votos no Liberato são favas contadas!
– Nem outra coisa é de esperar! Concorrendo o Liberato dos Santos, quem é que pode ter a pretensão de ganhar umas eleições, aqui no Cabeço? Ainda houve aí um grupo que, mais para criar confusão do que para os legítimos interesses do povo, se propôs relançar a candidatura do nosso anterior presidente, o nosso caro ex-autarca Manuel Lopes. Mas logo se desenganaram, porque o Lopes, que é homem sensato e de um só parecer, veio desfazer todas as dúvidas, afirmando, na loja do Sanguessuga, que estava de alma e coração com o candidato Liberato. E nem podia ser de outro modo, pois, enquanto o Manuel esteve na Junta sempre teve o apoio incondicional do actual presidente. E até adiantou que estar lá um, ou estar o outro é praticamente a mesma coisa, com a diferença notável de que o Liberato tem muito mais conhecimentos e outros apetrechos intelectuais, que sempre são um bonito adorno para quem pretenda representar bem os seus concidadãos.
– Estou de acordo com o Manuel Lopes! Então se nós estamos tão bem servidos, para que é que íamos voltar atrás. O Lopes fez uma série de mandatos e sempre com o apoio de todo o povo. Mas não é homem que se prenda à cadeira do poder…
– Esse é um dos problemas de que enfermam muitos dos que, tendo sido obrigados a sair nas últimas eleições, agora voltam a candidatar-se. Cá no meu entender, tirando um caso ou outro, não tiveram saudades de servir o povo. Tiveram foi saudades das benesses, embora pequenas, que se auferem destes modestos cargos…
– Ninguém está numa autarquia pelo que lá se ganha, Carlos!
– Isso pensa o Tio Ambrósio! E não são só os pataquitos que chegam ao fim do mês. É também o prestígio, o título e o gosto de mandar, ainda que seja pouco.
– Estou esclarecido, Carlos! Mas não se tratando de uma reunião sobre a recandidatura do Liberato à Junta, que assunto o levou a convocar essa reunião a que tu não querias faltar?
– Eu até pensei que o Liberato também tinha convocado o Tio Ambrósio. E convocou! Mas a culpa foi toda minha, humildemente o confesso! Eu estava encarregado de informar o Tio Ambrósio sobre este encontro, que teve por finalidade ver como havemos de relançar as nossas lições de catequese de adultos, e com este entusiasmo do almoço consigo e com os meus cunhados para falarmos sobre a viagem, esqueci-me de todo! Não sei como é que isto aconteceu, porque não é costume varrerem-se-me da memória coisas tão importantes como estas. O Liberato chamou-me a atenção, e eu fiquei envergonhado à frente de toda aquela gente, e pedi perdão a todos. E agora também peço desculpa ao Tio Ambrósio! É que nunca mais me lembrei da reunião da catequese, e estava mesmo convencido que essa seria lá mais para diante, e que agora iríamos mesmo falar do programa do Liberato para o novo mandato como presidente da Junta. O Tio Ambrósio vai fazer o favor de me desculpar…
– Já estás desculpado há muito tempo, Carlos! Não é que eu não gostasse de participar nessa reunião, mas a verdade é que, devido à minha idade e aos meus achaques, vocês já não podem contar comigo como dantes…
– Ai isso é que contamos, Tio Ambrósio! E até lhe posso dizer que os nossos encontros catequéticos recomeçam no segundo domingo de Outubro, pela simples razão de o primeiro domingo estar ocupado pelo nosso dever colectivo de votar. Mas depois, a partir da segunda semana, teremos encontros mais ou menos regulares da chamada catequese de adultos. Agora, em vez de um, vamos ter dois grupos organizados, para que seja mais fácil a todos seguirem as lições, que continuarão a ser dadas quer pelo nosso Padre Feliciano, quer por alguns leigos do nosso arciprestado. E também estamos a contar consigo, sobretudo quando se tratar de temas históricos e bíblicos, em que vossemecê é um barra como poucos. A coordenar, cá na paróquia, estará o Liberato, que aceitou o convite do senhor prior…
– Está tudo na perfeição. Tudo, menos o facto de vocês contarem comigo, pelo menos de modo permanente. Eu não digo que não irei colaborar, na medida das minhas modestas possibilidades. Mas ter esse encargo, semana após semana, já ultrapassa as minhas forças. Quando eu era rapaz, e mesmo depois até há alguns anos atrás, sempre o senhor Padre Feliciano pôde contar comigo. Quando alguém aparecia para fazer a comunhão, ou mesmo para ser baptizado já depois da idade normal, confiava-me a missão de lhe ensinar a doutrina, e sobretudo de lhe explicar a forma como um homem deve viver como cristão. Porque não é necessário apenas saberem-se algumas fórmulas mais ou menos bem decoradas. Mais importante do que isso é o comportamento de alguém que se declara ser cristão…
– Não queremos apenas cristãos de nome, mas sim cristãos comprometidos nas diversas tarefas do mundo…
– Tens um bom exemplo no nosso Liberato. Ele conhece bem a doutrina e lê com frequência os textos da Palavra de Deus. Mas todos esses conhecimentos coloca-os em prática na sua vida, e nomeadamente no exercício das suas funções autárquicas. Uma das recomendações que a Igreja tem feito, nestes últimos tempos, aos leigos cristãos, vai no sentido de estes, ou seja de nós nos empenharmos nas tarefas do mundo, levando a nossa experiência de cristãos para os diversos campos da actividade humana, desde a cultura à política e passando mesmo pela economia
– Isso não é para todos, Tio Ambrósio!
– É para todos, embora com medidas diferentes, Carlos! Nem todos são professores ou doutores. Mas há tarefas que até um agricultor pode desempenhar.
– Vou pensar nisso, Tio Ambrósio!
– Vai com Deus, Carlos!

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