24/09/2017

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (24-09-2017)

– O Tio Ambrósio não ganhou para o susto! Vossemecê e os outros que têm castanheiros e olivais aqui para estes arredores do cimo da nossa povoação!
– A coisa esteve fusca, Carlos! Mas, graças a Deus, os prejuízos não foram tão avultados como chegámos a temer, embora um ou outro proprietário tenha ficado com as suas colheitas arruinadas. Mas, para o que poderia ter acontecido, temos que erguer as nossas mãos para o Alto e agradecer a protecção divina.
– Já reparei que alguma da sua fruta sofreu danos assinaláveis…
– Eu fiquei um pouco triste foi por aquela carreira de oliveiras, que este ano prometiam uma boa safra. Mas nem isso me tirou o sono, pois azeitona, este ano, é um louvar a Deus! E depois, este meu velho castanheiro nem ameaçado foi! Isso é que seria uma perda irreparável, porque não vejo aí nenhum à volta que o possa substituir quer em porte, quer em beleza natural, quer mesmo em produção de castanha…
– Foi mesmo só um susto…
– Agora, vistas as coisas à distância, podemos dizer que não foi além disso. Mas, pelo que se passou aqui com este pequeno incêndio, eu posso calcular os tormentos por que passaram tantas pessoas de várias aldeias do nosso país, onde arderam hectares e hectares de floresta, várias casas de habitação, e onde se perderam vidas humanas, o que constituiu o acontecimento mais triste deste Verão. As árvores voltam a crescer, e a natureza vai encarregar-se de pintar de verde montes e vales. E também voltaremos a ter o amarelo dos pampilhos e o vermelho das papoilas. Mas as vidas que se perderam, essas… deixam-nos sem palavras perante a dimensão da tragédia.
– O que é importante referir agora é que o Cabeço, depois de um susto, voltou a dormir em sossego…
– Isso não, Carlos! Temos que permanecer sempre vigilantes e evitar tudo aquilo que possa causar sinistros deste género. Eu sempre ouvi dizer que o seguro morreu de velho. Mas, para isso é preciso que sejam tomadas todas as precauções, mesmo que nos pareça que o perigo que se corre é mínimo, e que só acontecerá uma vez em mil ou mesmo dez mil! Quem raciocina deste modo é estulto, porque o perigo espreita e, mal um homem se descuida, pode ter início uma verdadeira tragédia com a perda de muitos bens e o risco de se porem em risco as próprias vidas humanas. Mas agora não vamos falar mais desse assunto, porque o passado é passado, e o que mais nos importa é olharmos para o futuro.
– Concordo consigo, Tio Ambrósio! No entanto, se passarmos do panorama da nossa vida local para o âmbito alargado da cena internacional, as perspectivas não são as mais animadoras. O Tio Ambrósio não anda assustado com o que se passa no mundo?
– Ando, Carlos! A humanidade corre sérios riscos de se auto-destruir! E, se queres que te seja sincero, não vejo ninguém capaz de pôr fim a esta escalada de ameaças que, a concretizarem-se, podem fazer milhões e milhões de vítimas totalmente inocentes…
– Ao que pode levar a loucura humana, Tio Ambrósio!
– Sempre houve loucos deste género ao longo da história, a começar por Caim que não teve nenhum rebuço em assassinar o seu irmão Abel. Mas agora as armas não são pedras nem cacetes, Carlos! Uma única bomba pode destruir um país inteiro, pode fazer milhares, mesmo milhões de vítimas. As bombas atómicas lançadas sobre cidades japonesas no final da segunda guerra mundial fizeram centenas de milhares de vítimas. Foi um verdadeiro horror! E hoje há possibilidades de lançar sobre um ou vários países engenhos vinte ou trinta vezes mais mortíferos do que os que então foram utilizados. Ainda hoje, passados tantos anos, eu fico horrorizado quando vejo reportagens fotográficas dos efeitos destruidores que uma bomba dessas causou sobre populações que não tinham nenhuma culpa sobre os desentendimentos entre os chefes das diversas nações.
– A mim perturba-me saber que há seres humanos com este instinto destruidor, Tio Ambrósio! É verdade que Deus Nosso Senhor nos criou inteiramente livres. Mas também nos deu a consciência para sermos responsáveis…
– A liberdade é um dom maravilhoso Carlos! Mas tens razão em dizer que liberdade e responsabilidade devem crescer e caminhar juntas. Quando a segunda é esquecida ou propositadamente posta de lado, o homem pode transformar a sua liberdade numa monstruosidade…
– De ser livre, passa a ser um monstro!
– Eu não consigo classificar de outro modo quer os que ameaçam com bombas nucleares, quer os que, sem qualquer sentimento de piedade, pretendem dizimar populações inteiras, como é o caso da Síria, em cuja guerra civil já perderam a vida cerca de trezentas e cinquenta mil pessoas. E alguns fundamentalistas continuam não apenas a ameaçar todos os que não concordem com as suas ideias, mas vão lançando o terror em atentados um pouco por todo o lado. Um homem já não pode dizer que está seguro em lado nenhum. Quando menos se espera, numa estação de caminhos de ferro, num mercado, ou numa rua movimentada de uma das nossas grandes cidades pode rebentar uma bomba que cause centenas de mortos e milhares de feridos. Nós aqui, no nosso cantinho, parece-nos que não corremos riscos de maior. Mas não estamos livres que venha por aí fora um tresloucado qualquer, carregado de bombas por debaixo da roupa que traz vestida, e faça explodir um dos nossos mercados, ou uma sala de espectáculos. É só dar-lhes na cabeça…
– Se não houvesse televisão, nem outros meios de comunicação, eu até se pode dizer que ia vivendo bastante descansado. Mas os relatos que nos chegam, sobretudo através da televisão, de tantas barbaridades praticadas por esse mundo fora, levam-me a magicar que nem nós aqui nas pequenas aldeias estamos verdadeiramente seguros…
– Não sejas alarmista, Carlos! Todos sabemos da violência de que são capazes muitos grupos de radicais de diversas etnias e proveniências ideológicas. Mas virem aqui ao Cabeço, a esta pequena aldeia desconhecida, onde quase já só vivem velhotes e viúvas, não! Podes dormir tranquilo, que não é por aí que começa a guerra. Mas que, a nível mundial, as coisas não estão nada seguras, isso não estão. E eu tenho verdadeiramente receio é desses tais monstros que lançaram a consciência às urtigas. Esses são capazes de tudo!

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