15/10/2017

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (15-10-2017)

– O Tio Ambrósio até já pensava que eu hoje não vinha ter consigo para a nossa conversa dominical….
– Já me tardavas um pouco, é verdade! E tu sabes bem que domingo sem a tua presença não é a mesma coisa. Podem vir outros amigos, fazerem as perguntas mais variadas e falarem sobre os mais diversos assuntos, mas falta-me o sacramento da tua presença real, aqui ao pé de mim, como um filho ao pé do pai…
– No entanto, embora tenha chegado mais tarde, posso garantir-lhe que passei uma boa parte desta tarde a pensar em si. Assim a dizer para comigo próprio: “que pena não estar aqui também o Tio Ambrósio, porque tenho a certeza que ele ia apreciar a companhia da família do meu amigo Abilino, e a presença dos compadres Sequeira e Gonçalves, que são dois excelentes conversadores, para além de apreciadores do opíparo repasto que foi servido, não à sombra dum secular castanheiro, mas de um belo exemplar de carvalho negral”.
– Desta vez mudaste de ares…
– Apenas durante algumas horas. Vossemecê bem me viu na nossa missa paroquial. Mas depois saí, sorrateiramente, assim como quem não quer a coisa, para cumprir uma promessa que, já há bastantes anos, fiz a um grande amigo meu. Só agora deu para cumprir o prometido, mesmo que, em relação a algumas pessoas, a visita fosse de pura e sentida saudade. Mas tenho a certeza que o meu amigo Aires ficou contente por saber que eu me fui sentar à sombra do seu carvalho preferido e conviver, durante algumas horas, com os seus descendentes mais chegados. Eu ainda convidei o meu cunhado Acácio para me acompanhar e provar o bíblico borrego com ervas aromáticas, mas ele escusou-se delicadamente com um afazer qualquer em que a Ermelinda o meteu à última hora. E até ela, a minha cunhada, havia de ter gostado de uma animada conversa com a dona da casa, a dona Gabriela, e mai-la sua simpática filha, a menina Mónica…
– Uma tarde bem passada!
– Se eu soubesse que vossemecê estava livre, quem ia comigo era o Tio Ambrósio que, entre outras coisas, me podia explicar se o carvalho a cuja sombra nos sentamos, era mesmo um carvalho negral, ou um carvalho português, que eu não sei distinguir muito bem as variadas espécies da flora portuguesa…
– Para essas bandas por onde andaste, é bem possível que se trate de um carvalho português, que tem um porte médio, e cuja madeira é utilizada pelos tanoeiros, porque os seus taninos sobressaem bem em alguns vinhos tintos. Mas tu sabes bem que eu conheço mais de castanheiros do que de carvalhos…
– Por falar em castanheiros, o seu já bota castanhas, não já?
– Este ano vieram mais cedo, e já apanhei mais de duas arrobas delas, só das que vão caindo. Se tu não viesses de um pantagruélico almoço, eu até te convidava para assarmos um punhado delas, para vermos se são tão saborosas como bonitas…
– Lá por isso, não quero que o Tio Ambrósio fique sem provar as castanhas. Eu vi ali à entrada um pequeno braçado de caruma, e logo me pareceu quais eram as suas intenções. Que sejam cumpridas! Temos é que ter cautela com a pequena fogueira, porque, este ano, devido à seca, a autoproclamada época dos incêndios prolongou-se por mais umas semanas…
– Não me fales disso, que eu fico logo arreliado, Carlos! Prefiro remeter-me ao silêncio do que ter de admitir que isto dos incêndios em Portugal, sendo uma questão tão gravosa pode ser apenas de origem casual, por descuido deste ou daquele. Aqui tem que haver uma mão, ou muitas mãos criminosas.
– O povo diz isso à boca cheia, mas de pouco importa! Mal chegam dois ou três dias de sol e calor, reabre imediatamente a época dos incêndios. Isto é já uma verdadeira praga, da qual não vamos conseguir libertar-nos tão depressa…
– Ponto final, Carlos! Não quero falar mais desse assunto, e basta! Aliás parece-me que há gente interessada em que as pessoas e os jornais e as televisões falem deste tema. Eu recuso-me. Ponto final, parágrafo!
– E eu, entretanto, já esbolei um quarteirão de castanhas, que devem chegar para vermos se, realmente, este ano são de boa qualidade.
– Isso, nessa caruma, demoram a assar apenas dois ou três minutos, não mais! É o tempo que eu demoro a ir ali dentro para ver se encontro uma garrafa de jeropiga nova, que me trouxe o meu amigo Agostinho…

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