06/04/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (12-02-2017)

– Um dia destes, um senhor Cónego, que encontrei numa curta passagem por Coimbra, para participar nas exéquias do senhor Padre Frade…
– Podia ter-me dito que ia, Tio Ambrósio! Eu gostava de ter ido consigo, prestar a minha homenagem a esse sacerdote virtuoso e bom, que dedicou grande parte da sua vida a organizar e dirigir a Escola Diocesana de Música Sacra, que muito contribuiu para a renovação da liturgia, e nomeadamente do canto litúrgico na maioria das paróquias da nossa diocese. Como não pude estar presente, lembrei-o ao Senhor nas minhas orações em casa, com a família. Eu sei que não é a mesma coisa, mas o que conta é a intenção…
– Não é bem assim, Carlos! Uma oração feita em casa, com toda a família reunida, é uma das formas mais recomendadas pela Igreja para nos dirigirmos ao Pai do Céu. Penso que nenhum dos Papas dos dois últimos séculos se tenha esquecido de incentivar as famílias a uma oração comum, nomeadamente o rosário…
– È esse o costume que eu sigo lá em casa, Tio Ambrósio! Nem sempre é fácil encontrar um tempo que seja ao gosto de todos, pois os pequenos tentam esquivar-se com a desculpa das matérias que têm que estudar para o dia seguinte. Mas com diálogo lá vamos chegando todos a acordo. E sempre oferecemos um mistério pelos nossos amigos e conhecidos defuntos, lembrando de modo especial algum que nos vai deixando. Foi o que agora aconteceu…
– É de louvar essa tua atitude, Carlos! Tua e da tua família.
– Este tema interessa-me bastante, Tio Ambrósio! Mas fiquei curioso em saber o que é que vossemecê conversou com esse reverendo cónego, lá em Coimbra. Cheira-me a que terá havido alguma referência à minha modesta pessoa…
– Se não houvesse, certamente eu não me teria lembrado de estar a contar-te uma coisa destas, Carlos! E o que acontece até é uma coisa muito simples, pois sua reverência é um leitor bastante atento destas pequenas conversas que aqui temos, quer ao calor da fogueira quer à sombra do castanheiro, e notou que nestes últimos tempos a tua linguagem tem sido um pouco mais rebuscada…
– Pobre de mim, Tio Ambrósio! É verdade que, desde há uns meses para cá, eu tenho tido alguma preocupação em ler bons livros, nomeadamente o melhor deles, que é a Sagrada Escritura. É que, à falta de melhor, o senhor Padre Feliciano encarregou-me de preparar as leituras de domingo e de arranjar um grupo de leitores. Claro que eu preferia um encargo mais simples, como tocar o sino para lembrar ao pessoal que está na hora de saírem de casa.
– Está muito bem entregue, Carlos! E eu tenho notado que esse capítulo tem melhorado bastante, vendo-se que, tanto tu como os demais leitores se preparam atempadamente para a função que são chamados a desempenhar…
– Se calhar é por isso que, depois, na conversa com a mulher, com os filhos e com os amigos, se possa notar alguma evolução no emprego desta ou daquela palavra. De facto, nós, os que fazemos parte do grupo dos leitores, temos o costume de ler em voz alta a leitura que nos cabe e, quando nos aparece pela frente alguma palavra mais difícil, recorremos ao Padre Feliciano ou, se este não está, ao nosso amigo Liberato. Até já uma vez estivemos na eminência de vir incomodar o Tio Ambrósio…
– Não sou a pessoa mais indicada, Carlos! No entanto, fico muito contente em ver que parte do grupo da catequese de adultos tomou à sua conta as leituras da Palavra, e que isso, além de servir para melhorar os vossos conhecimentos religiosos, se nota também na linguagem que usais no dia a dia…
– De tal modo que o senhor Cónego que esteve consigo parece ter estranhado…
– E muito, Carlos! Ele até me perguntou se tu eras a mesma pessoa que, semana após semana, aqui vem trazer-me as novidades cá da terra e comentar os acontecimentos locais, regionais e nacionais…
– E até internacionais, Tio Ambrósio! Porque nós temos que evoluir em conjunto, embora o falarmos desta ou daquela forma, o usarmos termos antigos ou termos mais modernos, não faça de nós pessoas diferentes…
– Faz, Carlos! Faz-nos mais cultos, mais atentos àquilo que se vai passando à nossa volta e até nos abre perspectivas novas para a interpretação dos factos que vão ocorrendo sob o nosso olhar. Porque isto da nossa vida colectiva pode comparar-se a um rio que vai correndo a nossos pés e cujas águas nunca voltam para trás…
– Vão ao seu destino, Tio Ambrósio! Mas agora, com essa intervenção do senhor Cónego, vossemecê deixa-me a magicar se continuam a ter interesse estes nossos encontros dominicais, ou se devemos silencia-los! Sim! Porque eu já me não vejo a passar muito tempo sem vir aqui ter consigo, se mais não for, para darmos dois dedos de conversa. Por mim, devo dizer, que tenho sempre tirado muito proveito neste contacto dominical. Mas não é preciso que isto que nós dizemos venha a público, até porque nem tudo o que nós pensamos e falamos é publicado. Por vezes, se fosse tornado público tudo o que nós conversamos, nem um jornal com dezasseis páginas como o “Correio de Coimbra” (que eu sempre leio com muito agrado) teria espaço disponível para as nossas opiniões, quase sempre convergentes…
– Estás a ver, Carlos? Sem te dares conta, tu empregaste a palavra “convergente” que, digamos assim, é um termo erudito…
– Próprio de doutores que frequentaram a universidade. Não é, Tio Ambrósio?
– Tanto tu como eu frequentámos a universidade da vida, Carlos! E é assim que nos sentimos bem, e vamos continuar a sentir…
– Se Deus nos der vida e saúde, que, juntamente com a paz, é aquilo que eu peço todos os dias para mim e para todos os homens e mulheres dos quatro cantos do mundo.
– Esse é um bom desejo, que eu gostaria que estivesse instalado em todos os corações, pois corresponde à doutrina do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo que diz: “deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz!”.
– Ámen! Tio Ambrósio!
– Até domingo! Vai com Deus, Carlos!

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