– Não sei se o Tio Ambrósio quer ir connosco a Fátima agora pelo 13 de Maio. O Cabeço vai ficar praticamente deserto, e posso dizer-lhe que as pessoas, na sua maioria, vão fazer a sua peregrinação a pé.
– E fazem muito bem, Carlos! Eu, nestas circunstâncias, fico na retaguarda, porque não me sinto com forças para me meter em tais confusões! Aquilo vai ser um mar de gente, Carlos! E eu gosto muito de visitar o Santuário, e sobretudo a Capelinha das Aparições, mas tem que ser em dia de menos aperto, em que eu possa fazer umas horas de verdadeiro silêncio, porque essa é uma circunstância absolutamente necessária para poder ouvir a voz de Deus.
– Eu também não irei, Tio Ambrósio! Mas não fui capaz de convencer a minha Joana a ficar em casa com os pequenos. A Ermelinda e o Acácio vão três dias antes, para fazerem todo o caminho a pé, juntando-se a um grupo da nossa paróquia que, com outras pessoas do arciprestado, organizaram muito bem toda a peregrinação, com momentos de leitura e meditação da Palavra de Deus, com a reza do rosário e com tempos de descanso já determinados.
– E tu não alinhaste com o Acácio? É para admirar!
– Por um lado eu devia acompanhar a Joana e os pequenos, porque a peregrinação em família tem um sentido mais evangélico. Quando tinha doze anos, Jesus também foi, com Maria e José, em peregrinação a Jerusalém, e até parece que as coisas não correram lá muito bem, porque se perderam uns dos outros, e a Virgem e o Patriarca viram-se às aranhas para reencontrarem o filho.
– Mais um motivo para ires, Carlos!
– É verdade, Tio Ambrósio! Mas eles vão de autocarro alugado pelo Liberato que me avisou a tempo para eu me inscrever. O certo é que eu fui deixando passar as semanas e, quando procurei o nosso autarca para me inscrever com os meus, confrontei-me com a resposta de que já só dispunha de três lugares. Ainda havia a hipótese de ir com o meu pequeno meio de transporte. Mas logo pensei que aquilo vai ser uma barafunda, e o melhor é ir lá daqui a uns tempos, quando as estradas estejam mais desimpedidas. Comuniquei isto mesmo em plenário familiar, e a Joana disse-me que, se não fosse no autocarro, iria a pé com a irmã e os outros devotos do Cabeço. Para não levantar uma tempestade num copo de água, perguntei se queria ir com os filhos agora, para verem o Santo Padre e a cerimónia da canonização do Francisco e da Jacinta, e depois, lá mais para diante, voltaríamos para rezar em família com maior sossego. Foi o que os pequenos quiseram ouvir, de modo que eu logo fui a casa do Liberato para inscrever três pessoas, pedindo-lhe que me tratasse os meus como se fossem família sua.
– Já vi que preferes, tal como eu, ver estas coisas cá mais de longe…
– Mas com o coração lá, Tio Ambrósio! Vossemecê sabe que eu sou um devoto da Virgem Maria, embora pequeno, pobre e sem méritos…
– Também me incluo nesse número, Carlos! Vou ficar aqui em corpo, mas o meu coração e o meu espírito vão estar lá a agradecer a Deus os muitos dons que nos tem concedido sempre, e nos concede especialmente nesta hora. Porque estes acontecimentos são verdadeiros dons que nos chegam por graça de Deus. Eu diria que nós, os cristãos de Portugal, deveríamos louvar o Senhor por muitos motivos, mas agora especialmente por três circunstâncias que se congregam no sentido de os olhos dos cristãos de todos os continentes e dos homens e mulheres tementes a Deus se voltarem para Fátima que, não sendo o centro da cristandade, tem vindo aos poucos a tornar-se o altar do mundo, como se escreveu aquando da visita do Papa Paulo VI ao santuário em 1967…
– Eu ainda era pequeno. Mas o Tio Ambrósio, dessa vez, estava lá para ver com os seus olhos o Santo Padre…
– Certamente já te falei, por várias vezes, desse momento especial da minha vida, pois considerei para mim uma grande graça poder estar ali a meia dúzia de metros do Papa de Roma. Depois tive a oportunidade de apertar a mão de outro Papa, o nosso querido São João Paulo II, quando este, em 1982, passou por Coimbra, tendo falado aos fiéis no estádio municipal e aos estudantes e intelectuais no pátio da Universidade. Foi uma grande festa!
– E agora não vai ser mais pequena, Tio Ambrósio! E, pelo facto de vossemecê e eu não podermos estar presentes em corpo, não quer dizer que não vamos juntar-nos às centenas de milhar de fiéis que, sob a presidência do Papa Francisco, vão estar em Fátima a pedir a Deus, por intercessão de Nossa Senhora e dos novos santos Francisco e Jacinta, que conceda ao nosso tempo o precioso dom da paz.
– Dom esse que só se conseguirá verdadeiramente através da penitência, da oração e da conversão dos corações humanos aos princípios do Evangelho…
– É aí que reside o núcleo fundamental da chamada Mensagem de Fátima. Não é, Tio Ambrósio?
– É, Carlos! E penso que será isso que, uma vez mais, nos irá recordar o Papa Francisco nas palavras que dirigir aos peregrinos e, através deles, a todos os cristãos do mundo inteiro e a todos os homens e mulheres de boa vontade.
– Eu prometo que irei ouvir com toda a atenção, Tio Ambrósio! E até me apetecia fazer-lhe uma proposta. Se vossemecê quiser venho buscá-lo para minha casa para, nesse sábado, assistirmos pela televisão a todas as cerimónias de Fátima presididas pelo nosso Santo Padre, o Papa Francisco…
– Também podemos ver aqui em minha casa, Carlos!
– Eu só sugeri a minha, porque os pequenos me obrigaram a comprar um televisor com maiores dimensões…
– Nesse caso, aceito, Carlos! Mas com um pedido e um compromisso, que é o de fazermos silêncio, porque tu já sabes que eu gosto de me concentrar, de interiorizar as coisas, de viver estes acontecimentos por dentro…
– Porque é que nós os dois somos tão parecidos, Tio Ambrósio?
– São muitos anos a conviver, Carlos!
E também por isso nós devemos dar graças a Deus!
– Assim seja, Tio Ambrósio!
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