08/04/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (26-02-2017)

AO CALOR DA FOGUEIRA (26-02-2017)
– Entra, Carlos! E tira-me essa cara de entrudo arrependido porque, embora venha aí o tempo da Quaresma, um cristão, que o é de verdade, deve andar sempre com um sorriso nos lábios, apesar das muitas provações e provocações…
– Bem dito, Tio Ambrósio! Neste mundo estamos todos sujeitos a muitas provações e eu, como pobre cidadão do Cabeço, não estou isento de, muitas vezes, continuar, como diz o nosso povo, a comer o pão que o diabo amassou.
– Mas não te quero ver desanimado, rapaz! Além de tudo o mais, nem me parece que tenhas muitas razões para isso. Não tens, pois não?
– Se calhar, não! Nós é que nos habituamos mal e, quando aparece alguma dificuldade maior, parece-nos logo que o mundo vai desabar. Mas eu estou em crer que Deus continua a ser fiel à Sua aliança para connosco…
– Então não desanimes! Como diz o Evangelho, lava o rosto e bota um pouco de perfume na cabeça, porque também isso ajuda a ultrapassar os momentos menos positivos da vida. Isto no que diz respeito às provações. Porque as provocações a que os nossos políticos nos vão sujeitando, isso é outra conversa. E são tantas que a gente nem sabe bem por que ponta há de começar…
– Parece que alguns endoidaram de todo, Tio Ambrósio! Então esta da vontade pertinaz de legalizarem a pena de morte…
– Não exageres, Carlos! Portugal orgulha-se de ser um dos primeiros países a abolir quer a escravatura, quer a pena de morte…
– Então para si a legalização ma morte assistida, que é uma forma mais adocicada de dizer eutanásia, não tem nada a ver com a pena capital?
– Não é fácil de tratar um tema destes, Carlos!
– Temos que chamar as coisas pelo seu nome próprio, Tio Ambrósio! E quem não esteve com meias medidas foi o meu cunhado Acácio que foi comprar uns dez metros de pano de lençol e o colocou em toda a frontaria da sua casa, à altura das janelas, com esta frase gravada em letras grandes e vermelhas: “Eu vim para que tenham vida! (Jesus Cristo)”. E, por baixo, a preto, quase como que a imitar uma assinatura, acrescentou: “Eu sou cristão!”.
– Medida acertada, Carlos!
– Nem todos gostaram, Tio Ambrósio! Até houve aí um daqueles cristãos de esquerda que lhe começou a atirar piadas, porque estava a ir contra ideias já postas em prática por países muito mais avançados em matéria civilizacional…
– E o Acácio calou-se?
– Isso calou ele! Perguntou ao dito cujo, que não passa de um achadiço cá no Cabeço, se os da geringonça já tinham engendrado alguma lei que viesse alterar a Constituição, que consagra a liberdade de pensamento e de expressão como um direito inalienável de todos os cidadãos.
– E o outro?
– Lá se foi a resmungar. Mas antes de se afastar de todo, ainda teve tempo de ouvir o recado do Acácio: “Se quiseres, compra uns metros de pano, e escreve lá o que te apetecer. Mas não venhas com tretas, no sentido de me quitar a minha liberdade e a dos demais cidadãos do Cabeço”. E digo-lhe mais, Tio Ambrósio! A iniciativa do meu cunhado foi o início daquilo que eu penso que possa vir a ser um rastilho para o caso de haver necessidade de nos unirmos para tomarmos uma posição perante as agressões com que começa a ser bombardeada a sociedade portuguesa, que continua a ser de matriz cristã e, por isso, não pode nem deve tolerar que venham ferir, com princípios espúrios, a alma do nosso povo.
– Essa tirada não é tua, Carlos!
– O seu a seu dono, Tio Ambrósio! É do Liberato, evidentemente, mas eu assino por baixo sem pestanejar. E ainda lhe não contei tudo!
– Não me digas que já outros começaram a imitar o Acácio…
– A seguir foi logo o Sanguessuga! Como teve receio de lhe levarem a mal uma manifestação a quem tem uma porta comercial aberta, mandou fazer um cartaz, que pendurou numa azinheira que, logo um pouco acima, dá para a estrada principal.
– E os dizeres?
– Falou em nome de todos, ou de quase todos, ao escrever em letras muito grandes: “O Cabeço é contra a eutanásia (= pena de morte)!”. Não se sabe quem foi, mas houve um magano que, pela calada da noite, passou com uma foice e rasgou uma parte do cartaz. Mas o Sanguessuga tem uma ideia de quem foi e está disposto a tirar satisfações…
– Sem violência, Carlos!
– Evidentemente, Tio Ambrósio! Nós somos pacifistas, mas não somos tolos, e não permitimos que nos comam por tolos!
– Estou a ver que o Cabeço está disposto a defender a vida!
– O Liberato teve uma ideia que não pode pôr em prática como autarca, mas que é capaz de ir por diante. Vamos juntar-nos e mandar imprimir uns centos, ou mesmo uns milhares de autocolantes onde se declara que o portador do dito é respeitador da vida humana desde o seu início primeiro, até ao final, segundo a vontade do Criador.
– Isso não fica barato…
– Vão aparecer patrocinadores, Tio Ambrósio! E, para já, estamos apenas na fase de apresentação de ideias, para tudo estar pronto se vier a ser necessário. Uma coisa é certa! No caso de aqueles que se julgam legítimos representantes do povo português tomarem a iniciativa de fazerem uma lei que retome, embora com palavras menos agressivas, a autêntica pena de morte, cá no Cabeço vamos levantar a voz e dizer que não queremos uma lei destas que, além de perniciosa, é absurda, porque é contra o maior dom que nos foi concedido, que é a vida!
– Eu estou convosco, Carlos! E penso que já é tempo de o povo cristão se manifestar contra algumas iniciativas de alguns grupos que se pensam senhores do país, e que lesam os valores mais autênticos do nosso povo, passando por cima da nossa história e dos princípios que moldaram a alma portuguesa.
– E eles acreditarão que o povo tem alma, Tio Ambrósio?
– É bem possível que não! Mas se o povo não tem alma, onde está a sua identidade?
– Um bom tema para um debate em que participem todos os que queiram levar a sério aquilo que é realmente sério. Não acha, Tio Ambrósio?

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