– Há dias que, quase sem fazer qualquer esforço, me vem à lembrança o seu significado. Este é um deles! Foi já há tantos anos que eu perdi o meu Pai, e não se me esvai da memória a sua figura forte, carinhosa e, por vezes austera.
– Este é um dos dias que deve ser celebrado, Carlos! Tal como o Dia da Mãe, que não sei por que motivo, empontaram para o primeiro domingo de Maio. Eu, cá no meu íntimo, celebro sempre o Dia da Mãe a 8 de Dezembro, e o Dia do Pai a 19 de Março…
– E são esses os dias que se prestam melhor para esta celebração, especialmente tratando-se de ambientes cristãos, acostumados a ver no Patriarca José o pai adoptivo de Jesus, e em Maria a Sua Mãe que, por dádiva do próprio Filho é também a nossa Mãe. Por isso, eu gostei muito que hoje, na missa, o nosso Padre Feliciano tenha feito uma referência especial aos pais, que os que ainda podemos abraçar aqui e agora, quer os que já partiram mas continuam vivos na nossa memória.
– Continuam vivos, mesmo para além da nossa memória! O dom da vida não se esgota nestas dezenas de anos que vamos padecendo neste vale de lágrimas, mas é permanente, agora e no tempo novo em que se realiza a nossa esperança. Seria um absurdo que o Senhor nos tivesse concedido este precioso dom para dele usufruirmos apenas meia dúzia de dias. Eu cá sou dos que repetem com toda a convicção as últimas palavras do Credo: “creio na ressurreição da carne e na vida eterna”!
– Eu também costumo apelar a todas as minhas forças, e a toda a concentração que me é possível, para manifestar claramente a minha fé no dom permanente da vida que Deus nos concedeu! Nem podia ser de outro modo, Tio Ambrósio! Por isso eu continuo, ainda hoje, a dialogar com o meu Pai, que nos deixou há tantos anos, na certeza de que, por dom de Deus, ele me continua a ouvir e até, em certos momentos mais difíceis, a aconselhar-me qual é a atitude que devo tomar ou qual é o caminho que devo seguir. De resto eu, neste capítulo, até sou um homem cheio de sorte, porque continuo a ter no Tio Ambrósio um verdadeiro pai, que sempre me tem guiado ao longo da minha caminhada. Até por isso, neste dia, eu quis ter um agradecimento especial para consigo, garantindo-lhe que, na missa, quando o Padre Feliciano lembrou os pais vivos e defuntos, eu recordei o meu que já partiu e o recordei a si que sempre me tem adoptado e tratado como verdadeiro filho!
– Neste ponto não te enganas, Carlos! Eu sempre te trago no coração como se trazem os filhos gerados na juventude! E não penses que também não agradeço a Deus o facto de Ele te ter colocado no meu caminho, porque se é verdade que os filhos se apoiam nos conselhos dos pais, estes também se revêem na juventude dos filhos, na sua força, no seu poder de decisão e até na sua alegria tantas vezes contagiante. Por isso, o agradecimento é recíproco. E, enquanto Deus no-lo permitir, havemos de continuar a ter um grande amor um pelo outro. Este é, pelo menos, o meu desejo…
– E o meu, que naturalmente se prolonga nos meus filhos e da Joana, que são a melhor prenda que Deus me concedeu! Então o Tio Ambrósio não quer saber que a mais pequena, ainda mal luzia a manhã, foi, pé ante pé, bater devagarinho à porta do meu quarto, para me dar um beijinho e me oferecer um desenho que ela fez, a lápis de cor, durante a hora de trabalhos manuais na escola? Eu fiquei tão contente que, pode crer, até as lágrimas me vieram aos olhos…
– Deus quer que a vida dos pais continue nos filhos e, depois destes, nos netos, de geração em geração. Porque o dom de Deus é contínuo, Carlos! Deus é um mãos-rotas em generosidade! Concede-nos muito mais do que nós Lhe pedimos, e imensamente mais do que nós merecemos…
– Eu penso que, por tudo isto, não vem fora de contexto eu fazer-lhe o convite e o Tio Ambrósio aceitá-lo, para ir hoje lá a casa merendar. Os pequenos resolveram convencer a Joana a preparar uns mimos para o pai, e eu atrevi-me a dizer-lhe que gostava de partilhar este momento familiar com o Tio Ambrósio, para que eles entendam o que é que nós queremos dizer com a expressão “de geração em geração”. Vossemecê não vai dizer que não, que eu depois, quando o tempo refrescar, prometo trazê-lo a casa no meu velho meio de transporte…
– Tu és danado para me dares a volta sempre que te apetece. É que a mim já não me apetecia muito sair de casa. Mas não resisto a dizer que sim, até porque tenho muitas saudades de estar algum tempo com os pequenos…
– Como acontece a tantos avós!
– Alguns não têm esta sorte que eu tenho, Carlos! Ainda um dia destes por aqui passou o Tio Eufrásio a contar-me que tem umas saudades enormes dos netos, que não os vê há mais de três anos, e até já põe a hipótese de não voltar a vê-los! Os dois filhos que tem emigraram ambos para a Austrália e lá têm a sua vida. Telefonam muitas vezes, mas, como ele me disse com as lágrimas nos olhos, uma coisa é a gente ouvi-los, outra bem diferente é poder dar-lhes um daqueles abraços que, além de tudo o mais, reconfortam a alma de um homem que passou toda a sua vida a trabalhar para que nada lhes faltasse…
– Então venha daí comigo, que eu penso que a Joana, com a ajuda dos pequenos, preparou um petisco que ambos vamos apreciar. Eu não sei o que é, porque não costumo arrancar segredos à força. Mas tenho a certeza que o Tio Ambrósio vai gostar, embora eu saiba que, à noite, já só costuma comer uma torrada e beber um chá de tília…
– De macela, Carlos! Antes de ir para a cama, é um dos melhores tranquilizantes que conheço…
– Pode ser que também se arranje, Tio Ambrósio! A Joana, como boa mãe de família, costuma estar atenta a todos esses pormenores.
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