18/04/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (16-04-2017)

– Bom dia, Tio Ambrósio! Nem sempre calha nós encontrarmo-nos aqui, à porta da nossa igreja paroquial, e quase de madrugada…
– Aleluia, Carlos! Cristo ressuscitou verdadeiramente. Ainda não tinha dado esta boa notícia a ninguém. E muito me apraz que sejas tu a primeira pessoa que encontro, porque é meu hábito, neste dia de festa para os cristãos saudar os vizinhos e amigos com uma alegria verdadeiramente pascal.
– Ainda faltam uns minutos para a Missa, mas penso que o nosso Padre Feliciano vai chegar a horas, porque depois temos que dar ao pedal para percorrer toda a freguesia, precisamente para levar a todas as casas esse anúncio festivo…
– Agora, com três grupos de leigos, as voltas já se dão mais depressa. Quando forem umas cinco ou seis da tarde vamos encontrar-nos aqui, de novo, para a bênção final, dada pelo nosso pároco…
– Como é que vossemecê sabe que as coisas estão assim combinadas? Falou com o senhor Padre Feliciano…
– Não! Mas ontem à noite, estive com o teu cunhado Acácio que me informou sobre a reunião em que ficou decidido que, ao fim da tarde de hoje, depois dos três circuitos terminados, todas as três cruzes com os respectivos grupos se juntariam na igreja para, todos em coro, entoarmos um cântico de aleluia e recebermos a bênção final.
– O Senhor Prior hoje vai dar todas essas orientações, Tio Ambrósio! E a ideia partiu do Liberato que, na nossa última catequese de adultos, em que participaram todos os elementos dos grupos que vão fazer a visita pascal, disse que gostava que, cá na paróquia do Cabeço, a liturgia pascal começasse com a solene vigília de sábado, incluísse a missa de aleluia no domingo, e só terminasse à tarde, com toda a população a reunir-se de novo na igreja, depois da visita da cruz do Ressuscitado a todas as famílias, para receber a bênção…
– Se o senhor Padre Feliciano concordou com essa ideia, eu apoio sem qualquer reserva. Mas desconfio que muitos dos nossos cristãos, ao fim da tarde, já não estão para se darem ao trabalho de se deslocarem aqui de novo…
– A ver vamos, Tio Ambrósio! Não foi vossemecê quem me disse que os costumes também se podem ir alterando?
– Quando for para melhor, é evidente, Carlos! E essa ideia parece-me que tem pernas para andar, embora nem tudo esteja afinado no primeiro ano. Mas se este ano vierem cem pessoas, é bem possível que no próximo já venham cento e cinquenta, e este encontro final no domingo de Páscoa, dentro de poucos anos, se torne um hábito que envolva toda a comunidade.
– Mas não pense o Tio Ambrósio que o nosso amigo Liberato anda a dormir. Ele sabe muito bem como é que se conquistam os fregueses. E, de acordo com o senhor Padre Feliciano, ele resolveu encomendar um bolo de castanhas, que vai dar pelo nome de “Bolo pascal do Cabeço”…
– Qualquer dia ainda vamos ter a confraria do bolo pascal…
– Nós não entramos nessa, embora não tenhamos nada contra nenhuma das confrarias gastronómicas que nasceram por aí mais bastas que tortulhos…
– Eu só tenho receio que se confundam as coisas, Carlos!
– Mas não é essa a nossa ideia, e muito menos a nossa intenção, Tio Ambrósio! O bolo que, para chegar para toda a gente, vai ser alguma coisa que se veja…
– Assim do tamanho da roda de um carro…
– Pelo menos, Tio Ambrósio! E usando apenas condimentos criados pelos habitantes do Cabeço! Veja que o Liberato até chegou ao pormenor de exigir que, além da farinha ser de trigo criado na nossa terra…
– Já não há muito por aí, mas para um bolo ainda se arranja…
– Só o Jeremias criou, o ano passado, mais de cinco moios, Tio Ambrósio!
– Então agora é que eu estou a ver para que é que o Liberato me veio perguntar, há umas duas semanas, se eu podia arranjar uns sete ou oito quilos de castanhas piladas…
– Está a ver, Tio Ambrósio? E eu sei que vossemecê em vez de as vender até lhas ofereceu. Mas há mais beneméritos e beneméritas. A minha Joana entrou com cinco dúzias de ovos caseiros, e o mesmo fizeram mais umas duas ou três donas de casa do Cabeço que continuam a ter poedeiras para consumo próprio…
– E o Sanguessuga forneceu o açúcar, estou mesmo a ver!
– Nada disso, Tio Ambrósio! Açúcar não se cria no Cabeço, e o Liberato faz questão que todos os ingredientes sejam produzidos na nossa terra.
– Isso tem mais valor, Carlos! Mas um bolo sem açúcar…
– E vossemecê já se esqueceu que tanto o Clemente como o Justino têm, cada um deles, para cima de trinta colmeias?
– Isso com castanhas das minhas e mel das abelhas do Justino e do Clemente é bem capaz de ficar uma verdadeira especialidade…
– Depois o Tio Ambrósio vai ver! Eu penso que hoje à tarde vai aparecer o primeiro Bolo Pascal do Cabeço…
– E se não sair bem à primeira, vai sair melhor à segunda…
– Não sei se vale a pena falarmos antes da prova, Tio Ambrósio! Mas eu estou convencido que a receita, que é um segredo bem guardado apenas pelos três jovens cavalheiros que têm o encargo de apresentar o dito…
– Um bolo feito por homens?
– O Tio Ambrósio nem imagina os talentos que andam por aí desaproveitados! O Liberato não descobriu a pólvora! Mas o certo é que, logo a seguir à sua tomada de posse como Presidente da Junta, arranjou a maneira de subsidiar o curso de culinária a três rapazes que estavam no desemprego… e saíram dali três óptimos doceiros, já todos com emprego em Coimbra e no Porto.
– Tu dás-me cada novidade, Carlos! Olha que eu sou bem capaz de vir cá logo à tarde só para ver essa maravilha da nossa gastronomia local…
– Com castanhas das suas, Tio Ambrósio! Mas a novidade vai ser dada em primeira mão pelo nosso Padre Feliciano…
– Assim, com guloseimas dessas, é bem possível que as pessoas se juntem…
– E, se todos gostarem, está iniciado mais um costume no Cabeço, que eu espero que dure muitos anos…
– E eu a ver, Carlos! As castanhas estão sempre garantidas!
– Até logo, Tio Ambrósio! E boas festas! Aleluia! Aleluia!

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