25/12/2017

Vale a pena esperar

Já sabemos que, para além do Natal do Senhor, há um outro natal em circulação por aí: o natal do comércio, das prendas, das frases “bonitas” mas sem Cristo, do “Pai Natal” e até dos hipopótamos (que sempre foram animais muito natalícios… ou então não). A única coincidência que estes dois natais têm entre si é o dia 25 de Dezembro: o natal paganizado acaba nesse dia e o Natal do Senhor começa nesse dia. O natal paganizado acaba nesse dia talvez por já não ter mais nada para vender: começa uma nova campanha comercial, os hipopótamos dão lugar à publicidade de artigos para a passagem de ano. O natal paganizado já nos cansa muito antes de meados de Dezembro, porque já desde o início de Novembro que nos enchem a cabeça com as músicas irritantes daqueles anúncios comerciais. Por isso, ao chegar o 25 de Dezembro, esse natal está estoirado, já deu o que tinha a dar; fica só o vazio, já passou…
E é então, quando o natal paganizado se vai calando, que estão reunidas as melhores condições de silêncio para começar o verdadeiro Natal, o de Cristo: tantas belas festas natalícias que se prolongam na liturgia ano novo adentro! Um tempo belo para contemplar Deus feito Menino. Enquanto o mundo vive o natal comercial (esgotado antes do dia, como fruto colhido antes de estar maduro), os cristãos vivem a conversão e a esperança vigilante do Advento. Porque o Natal não é para ser “consumido”: as coisas importantes esperam-se e preparam-se interiormente com antecedência. Como os noivos castos que esperam o dia do casamento para, então, viverem como casados; como a grávida que espera com alegria o nascimento do seu bebé; como o seminarista que vai amadurecendo a vocação; como o amigo que aguarda feliz a chegada do seu amigo… Assim é o Advento, que nos vai enfeitando o coração para a festa que se prolonga e deixa sabor.
Pe. Orlando Henriques

17/12/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (17-12-2017)

– Bendito seja Deus que nos mandou dois dias de chuva! Ainda não chega para as necessidades, mas é já uma boa ajuda, porque estava tudo seco, Tio Ambrósio! Olhe que até para apanhar o musgo para o presépio idealizado pela minha pequena tive que correr montes e vales. Isto é um modo de dizer, porque no pedaço de pinhal que sobrou dos incêndios encontrei mais que o necessário…
– Eu também já montei o meu, Carlos! Uma coisa muito simples, mas a que eu atribuo grande significado. Uma cabana construída com duas pedras e uma laje a servir-lhe de cobertura, sem luzes de várias cores. A iluminação é feita com uma simples lâmpada de azeite. E este ano optei por não colocar nem a vaca nem o burrinho, porque os incêndios deram cabo dos pastos…
– O Tio Ambrósio está a usar uma linguagem muito figurada. Os animais que colocamos nos nossos presépios não precisam de forragem…
– Mas precisam os outros, Carlos! E olha que não tem sido fácil para muitos pastores encontrar alimento para os seus rebanhos. O que tem valido a muitos é a grande solidariedade que se gerou em algumas regiões do país, que enviaram toneladas de pasto para os locais mais atingidos por este flagelo que tão cedo não vai abandonar as nossas cabeças.
– A pouco e pouco tudo vai regressar ao normal. Por isso, no presépio lá de casa há muitas luzes, muita gente a passar pelos caminhos, e muitos animais, desde um cão que guarda o rebanho das ovelhas, até ao galo que, colocado no cimo de um telhado de xisto, acorda todo o povoado logo pela manhã…
– E nem vaca nem burro, Carlos!
– Já lá vamos, Tio Ambrósio! Por causa do burro é que eu, este ano, tive que voltar ao presépio. Estou a falar do presépio verdadeiro, daquele em que a Puríssima Virgem Maria deu à luz “Aquele que, por nós homens e para nossa salvação, desceu do Céu”…
– Voltaste a ser brindado com a graça de mais um sonho natalício! És um rapaz cheio de sorte! Conta-me cá como tudo aconteceu!
– Aconteceu como das outras vezes, Tio Ambrósio! Como ao burro de barro do nosso presépio já faltava uma das orelhas, a minha pequena não se calava, dizendo à mãe para comprar um burro novo, porque havia deles à venda na loja do Sanguessuga. E tanto clamou que, já ao anoitecer, eu tive que pôr os pés ao caminho e ir comprar o animal ao Manuel das Chagas. Deve ter sido por isso que, nessa noite, mal me estendi na cama, adormeci que nem um justo e, passados momentos, estava a sonhar com um burro de verdade, que alguém, de quem já nem o nome me lembro, tinha deixado ao meu cuidado para, na noite de Natal, levar ao presépio de Belém, porque tinha nascido ali um Menino muito pobre, que precisava do bafo quente de um jerico e de uma vaca, para não tiritar de frio.
– E tu montaste no burro, e aí vais, todo janota, até onde o sonho te quis levar…
– Mais ou menos isso, Tio Ambrósio! Mas como a figura dos meus sonhos me falara também de uma vaca, resolvi passar pelo meu estábulo e levar a Malhada, que é mansa como a terra. Não me pergunte por onde passei, nem que caminhos percorri, porque a lembrança que tenho a seguir é a de, montado no jerico e com a Malhada à soga, ter chegado a um terreiro, onde me aguardava um homem vestido com uma túnica castanha e que, fazendo-me sinal para eu parar, me perguntou se era eu o senhor Carlos do Cabeço. Saltei do burro e, como quem se apresentava para cumprir uma missão importante, disse que sim, ao que ele me respondeu, numa voz muito pausada, mas firme, que fora ele mesmo a requisitar os meus serviços, porque lhe haviam dito que sou uma pessoa sempre pronta a ajudar os pobres e desvalidos. Depois estendeu-me a mão calejada e fez a sua apresentação. O seu nome era José, carpinteiro de profissão, e tinha vindo a Belém para se recensear com a sua jovem esposa que, tendo chegado o seu tempo, se vira na necessidade de dar à luz num local muito pobre, por não haver lugar na única hospedaria da pequena cidade. Com frio que estava, a presença dos dois animais era fundamental, constituindo como que um aquecimento central para o acanhado apartamento.
– Mais propriamente um curral!
– Eu não queria usar esse termo para designar o local onde nasceu o Filho de Deus e da Virgem Santa Maria. Mas o Tio Ambrósio tem razão. Aquilo era mesmo um curral nos arredores da pequena cidade, onde os pastores, em noites de maior invernia, abrigavam os seus rebanhos.
– E depois das apresentações, entraste lá dentro…
– O Patriarca José, com uma alanterna de azeite, foi à frente para indicar o caminho. Eu fui atrás com a Malhada, que parece que até já conhecia o local, pois foi logo deitar-se ao lado do Menino deitado nuns paninhos simples que cobriam um molho de feno que, à falta de melhor, servia de berço. Logo o animal começou a desempenhar a sua função, aquecendo com o seu bafo os pezinhos do Divino Infante, que, numa noite daquelas, deviam estar mais que gelados. Depois, aos poucos, o curral foi ficando iluminado, com uma luz tão suave, que eu não consegui imediatamente identificar de onde vinha. De qualquer modo, aquela claridade permitiu-me ver as feições belíssimas da jovem Mãe, que estava de joelhos e de mãos postas, numa atitude de pura contemplação diante do mistério daquele Menino.
– E tu, Carlos?
– Eu senti um impulso irresistível de cair com ambos os joelhos por terra e tentei imitar a Virgem Maria, enquanto o jerico se foi colocar do outro lado do Menino, colocando por terra, primeiro as patas dianteiras, e depois também as detrás, deixando, nesse acto, escapar um pequeno sinal sonoro. Arregalei os olhos e logo reconheci o Fogueteiro, o meu companheiro de vigílias semelhantes em anos anteriores. Fiquei contente, porque vi que, ao lado do burro, estava com a minha gente!
– E depois?
– O que veio a seguir irei contar-lho na próxima semana, que é mesmo no dia da Consoada. Virei buscá-lo a tempo, e se formos a pé, iremos conversando pelo caminho. Pode ser?
– Pode, Carlos! Vai lá com Deus!

10/12/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (10-12-2017)

– Boas e santas tardes nos dê Deus, Tio Ambrósio!
– A todos nós e aos nossos familiares, conhecidos, amigos e mesmo inimigos, se os tivermos! Que Deus, quando dá, é para todos. Como diz a Sagrada Escritura, que é sempre o meu livro de referência, Ele manda o sol e a chuva sobre todos, justos e injustos…
– E agora, com esta seca agravada que se instalou entre nós, bem preciso é que Deus nos mande o precioso dom da chuva. As dádivas de Deus são sempre preciosas! Mas quando a necessidade é muita, as nossas preces devem ser maiores. Sabemos, como dizem os grandes santos, fundados no Evangelho, que não é por dizermos muitas palavras que Ele nos escuta melhor, pois sabe muito bem daquilo que nós precisamos muito antes de nós Lho pedirmos…
– Creio que foi Santo Agostinho que escreveu, numa célebre carta a uma matrona romana, de nome Proba, ali por volta do ano 411, que as palavras que empregamos na oração destinam-se não tanto a lembrar ao Senhor as nossas necessidades, mas a lembrarmo-nos a nós próprios e a estimularmos a nossa devoção. Se um dia vier a talho de foice, havemos de falar mais longamente das cinco cartas que o santo Bispo de Hipona escreveu a essa viúva cristã e a Juliana, sua familiar, que o haviam consultado sobre a forma de entender o trecho do capítulo 8 da Carta de São Paulo aos Romanos ao afirmar que é o Espirito Santo que vem em ajuda da nossa fraqueza, “pois não sabemos o que havemos de pedir em nossas orações”.
– Esse seria um bom tema para o Tio Ambrósio desenvolver numa das nossas catequeses de adultos. Embora não esteja programada, parece-me que, a propósito desta falta de chuva, uma palestra sobre o que devemos pedir e forma como devemos fazê-lo cairia como sopa no mel.
– Todos nós, os cristãos, temos necessidade de meditar sobre a oração, partindo do modelo que o próprio Jesus nos deixou ao ensinar-nos o Pai-Nosso. Aliás, posso dizer-te que Santo Agostinho, na carta que aqui referimos, chega a afirmar que não há nenhum pedido bom que não esteja incluído na oração que o Senhor nos ensinou. A título de exemplo, quando dizemos que nos dê o pão nosso de cada dia, estamos a desejar que nos envie a chuva, sem a qual os nossos campos não podem produzir o trigo, o milho, o arroz ou a cevada…
– E, no “pão de cada dia”, estão incluídas também as forragens para os nossos animais…
– Está incluído tudo o que é necessário para a nossa subsistência, Carlos! Que temos nós que não seja dádiva gratuita de Deus Nosso Senhor?
– Nesse caso, no próximo encontro do grupo de catequese, eu vou propor uma lição dada pelo Tio Ambrósio, para nos explicar o sentido mais profundo duma oração que nós rezamos todos os dias, mas quase sem nos darmos conta do que estamos a dizer…
– Estes tempos de maior frio não são os melhores para eu sair de casa. Mas, lá para Março, que já é altura de sementeiras, tenho todo o gosto em partilhar convosco alguns dos ensinamentos que vou colhendo na leitura de bons livros e na meditação mais aprofundada que vou fazendo sobre a Palavra de Deus. Até podemos escolher como título para a palestra: “O que tem o Pai Nosso a ver com a plantação da batata”.
– O Liberato diria que é um título bastante prosaico…
– Eu sei que não tem a elevação devida para gente piedosa, Carlos! No entanto, podemos tirar proveito da curiosidade das pessoas, que logo pensarão que orações e batatas não cabem no mesmo saco.
– E cabem, Tio Ambrósio?
– Claro que cabem, Carlos! Então qual é a base da nossa alimentação aqui no Cabeço? É a batata, a par das hortaliças, do milho e do centeio, que agora já cultivamos em escala muito reduzida…
– Para si, a castanha continua a ter alguma importância…
– Muita importância, Carlos! Por isso, quando eu peço ao Senhor que me conceda o pão de cada dia, estou a pensar também nos meus castanheiros, sobretudo neste de grande porte que tenho aqui ao lado de casa. Tenho ali no caniço duas arrobas de castanhas que, depois de piladas, me vão servir para fazer saborosas sopas, sobretudo nesta época de maior friagem.
– A minha Joana usa mais o feijão catarino…
– Também esse entra no saco da oração do Pai Nosso, Carlos!
– A propósito de sopa, o Tio Ambrósio não se esqueça que, na noite de Natal, a ceia é lá em nossa casa! A minha mais pequena já anda toda entusiasmada com a montagem do presépio. Até me pediu para ir um bocadito mais cedo para a acompanhar na apanha do musgo, que é sempre um dos materiais que usamos em maior escala. Depois, coberto com duas mãos de farinha, até dá a impressão de um campo ou de um monte cheio de neve…
– A nossa imaginação é fabulosa, Carlos! Olha que até a neve depende da chuva! E, pelos vistos, arriscamo-nos este ano a ter um Natal com muito gelo, mas sem a neve a encher de brancura os nossos telhados e os nossos caminhos…
– Mas não vai ser por isso que o Menino Jesus deixará de descer até nós, para habitar connosco, na nossa tenda…
– Muito apropriada essa expressão, Carlos! Bem se vê que as lições da catequese de adultos têm sido proveitosas para todos, até porque são ocasião para lerdes alguns textos significativos da Sagrada Escritura.
– Eu sempre aprendi muito nestas conversas que, todos os domingos, aqui mantenho com o Tio Ambrósio! Mas digo-lhe que uma coisa não tira a outra! Posso antes dizer que uma e outra se completam, até porque muitas vezes, assim como quem se quer fazer passar por desentendido, eu puxo aqui algumas conversas que me surgem de dúvidas que me ficam dos encontros de catequese…
– Não penses que eu não tenho dado por isso, Carlos! Mas ainda bem que assim se passam as coisas, porque o importante é cada um de nós crescer em diversas dimensões, nomeadamente na dimensão espiritual da vida. Mas não te prendo mais, porque a tua filha deve continuar à tua espera para irdes apanhar o musgo para o presépio a montar em vossa casa.
– Então, fique com Deus, Tio Ambrósio!
– Que Ele te acompanhe sempre, Carlos!

03/12/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (03-12-2017)

– Até pensei que o Tio Ambrósio não estava em casa. Mas ainda bem que o vejo chegar e, ao que parece de perfeita saúde!
– Depois do repasto saí um bocadito para esticar as pernas, porque todos os médicos recomendam, sobretudo aos adultos seniores, que, para manutenção e equilíbrio da saúde, se deve fazer uma pequena caminhada diária ou, pelo menos, dia-sim dia-não. Quando marco encontro com o senhor doutor Secundino, o que ele me recomenda sempre, para além de não sei quantos comprimidos, é beber muita água e caminhar o bastante. E eu costumo ser mais ou menos cumpridor dos conselhos dos clínicos…
– Quando o tempo estiver de feição, se vossemecê quiser, até podemos combinar umas caminhadas, aproveitando para, pelo caminho, botarmos a conversa em dia. Em vez de estarmos aqui parados, fazemos as duas coisas ao mesmo tempo…
– Tu quase sempre apresentas sugestões acertadas. Mas, agora que estamos a chegar à quadra do Natal, possivelmente não é a época mais apropriada. Deixamos isso para depois da Senhora das Candeias, que os dias já estão a crescer, e pode acontecer que tenhamos aí umas tardes a cheirar a Primavera…
– Estou sempre à sua disposição, Tio Ambrósio!
– E agora que me contas da vida aí pelo nosso Cabeço?
– Olhe, Tio Ambrósio! Tanto eu como o Sanguessuga e o meu cunhado Acácio estamos bem contentes com a safra da azeitona. É verdade que muitos olivais foram pasto das chamas. Mas os que ficaram aqui mais perto do povo, produziram a bem dizer por eles e pelos que arderam. Eu nem sei se o Tio Ambrósio tem colheita que lhe dê para todo o ano…
– Tenho, Carlos! Este ano tive bastante, e as azeitonas até fundiram mais do que eu estava à espera, por causa da seca. Dá-nos Deus mais do que nós merecemos!
– É verdade! E as coisas vão-se restabelecendo aos poucos! Esta chuvita, embora pouca, já deu para que nos lameiros nasçam ervas, e eu penso que, lá mais para diante, vamos voltar a ver as nossas encostas revestidas de carquejas e de urzes…
– Este ano ainda não, Carlos! A natureza é pródiga em surpresas, mas, desta vez, a destruição foi muito grande, deixando marcas profundas que, mesmo que as coisas corram pelo melhor, vão demorar vários anos a desaparecer. Há feridas que deixam cicatrizes que só se curam com o tempo. Tu talvez faças uma ideia aproximada de quantas colmeias arderam só no concelho da Pampilhosa da Serra…
– Eu não me dedico à apicultura, Tio Ambrósio! Já me chega o trabalho que tenho para criar os bezerros. Mas ouvi dizer ao Quintino que, só a um compadre dele da freguesia de Fajão, arderam perto de duzentos enxames, o que lhe vem comprometer a venda do mel e da respectiva aguardente, que é uma das especialidades daquela região.
– E tudo isso vem contribuir para a desertificação daquelas terras, Carlos! A vida até aqui já não era nada fácil, pois as reformas são muito pequenas, sendo supridas por alguns centos de euros auferidos destas culturas, quer do mel, quer do medronho, quer da venda de algumas árvores.
– Ou mesmo até do leite e do queijo produzido a partir do pastoreio dos poucos rebanhos que ainda existiam. Mesmo que os pastos se refaçam, um rebanho de ovelhas ou de cabras demora bastante tempo a restabelecer-se. A não ser que se vão adquirir animais a outros lugares do país…
– São muitas dificuldades juntas, a acrescentar à mais significativa de todas, que é a do envelhecimento da população do interior do país. Já aqui temos conversado várias vezes sobre a falta de gente nova. As escolas fecharam. E essas actividades que referimos são exercidas por gente já bastante avançada nos anos que, olhando à sua volta, não sei se está disposta a recomeçar praticamente do nada.
– Nós, os beirões, somos de rija têmpera, Tio Ambrósio! Mas acredito que esta circunstância sirva para alguns abandonarem as suas aldeias, deixando-as totalmente desertas. Espero bem que não…
– Pelo menos aparentemente, as autoridades do país estão dispostas a fazer com que a vida desta larga região retome o seu ritmo normal…
– A ver vamos, Tio Ambrósio! Os problemas alheios depressa esquecem a quem os não sente na pele! E atrás destes, outros vêm, como é agora o caso das muitas e variadas greves que, aos poucos, vão paralisando o país…
– Parece que não estás muito de acordo com as reivindicações dos trabalhadores, nomeadamente os ligados à função pública.
– Todos temos o direito de manifestar a nossa opinião, Tio Ambrósio! Só que a voz de alguns não é ouvida por ninguém, ao passo que a de muitos outros é ampliada pelos meios de comunicação social.
– E pelas greves, Carlos! O Sanguessuga contou-me há poucos dias que, tendo uma consulta marcada em Coimbra, para ele ou para a mulher, ficou que nem uma barata ao chegar ao respectivo local e receber a informação que, por falta de um funcionário, a senhora doutora não atenderia ninguém, adiando o acto clínico para o dia 23 de Fevereiro do ano que vem, que, por acaso até calha a uma sexta-feira, que é o dia mais propício para serem marcadas novas greves…
– Podia ser pior! Mas convenhamos que a saúde das pessoas não é propriamente um assunto com que se possa brincar…
– Brincar? Vai lá dizer essa aos sindicalistas, que ainda és corrido com uma manifestação de insultos! “A brincar – dizem eles – andam os governos há muito tempo com os trabalhadores”.
– E alguns têm razão, porque o sol quando nasce é para todos, Tio Ambrósio! Se a alguns é reconhecido o direito de progredirem nas suas carreiras, parece-me justo que os que ficaram para trás reclamem…
– Eu concordo com os princípios da justiça decorrente da igualdade, Carlos! Só que me parece que o bolo disponível é capaz de não ser suficiente para todos saciarem a sua fome. E o que acontece é que quem mais berra mais mama, não se interessando com os que não conseguem nem sequer obter umas pequenas migalhas que caem quando se sacode a toalha da mesa das conversações.
– E daí surgem novas lutas, cada classe procurando falar mais alto que as outras, de tal forma que se chega a uma barulheira tal que ninguém se entende…
– Sábio é o povo que, desde há muito, diz que “em casa onde não há pão, todos ralham e (se calhar) todos têm razão”!
– Será, Tio Ambrósio?

Descontos e mais descontos? – As origens da "Black Friday"

A “Black Friday” é um dos mais importantes dias para o comércio norte-americano, depois do Dia de Acção de Graças. Há lojas que abrem de madrugada para receber os primeiros clientes, normalmente muito entusiasmados.
Mas o conceito original de “Black Friday” – ou Sexta-feira Negra – nada tem de positivo. Mas para se perceber as origens do termo, há que recuar ao século XIX, quando dois dos mais notáveis e implacáveis negociadores da Bolsa de Nova Iorque se juntaram para comprar o máximo de ouro existente nos Estados Unidos.
Mas o negócio falhou e o resultado foi a bancarrota para muitos.
Por cá, também entramos nesta euforia de descontos promovidos pelas grandes superfícies quando na verdade não são descontos. A Deco alerta para a fraude existente nestas campanhas que levam as superfícies, nas vésperas das promoções, a aumentarem substancialmente os preços dos seus produtos fazendo depois o desconto sobre esse aumento. Em muitos casos não há desconto!
Antes de comprar trate de comparar preços. Compre só aquilo que realmente precisa. Não entre na correria dos descontos…
Miguel Cotrim

30/11/2017

Grupo de Oração Madre Maria do Lado

Foi criado o Grupo de Oração Madre Maria do Lado, que reuniu pela primeira vez a 26 de Novembro de 2017 (Solenidade de Cristo Rei). O grupo tem como base a oração alicerçada na Palavra de Deus e na adoração eucarística, suplicando o bom andamento dos trabalhos da Causa de Beatificação da Madre Maria do Lado. Pretende ser um baluarte de oração para os membros do grupo, amigos e devotos da Madre Maria do Lado. Além de reuniões quinzenais, o grupo tem no dia 28 de cada mês a Santa Missa em acção de graças pelos benefícios recebidos e implorando a intercessão da Serva de Deus. As Irmãs Clarissas do Desagravo convidam os simpatizantes da Causa a inscreverem-se, crescendo no amor ao Santíssimo Sacramento e no conhecimento da vida da Madre Maria do Lado, disponibilizando os contactos do Convento: Convento do Louriçal, Rua da Misericórdia, n.º 10, 3105-165 LOURIÇAL; telef. 236 961 138; e-mail clarissas.lourical@sapo.pt; ou facebook.com/irmas.lourical.

26/11/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (26-11-2017)

– Louvado seja Deus! Pensei que já nem vinhas, Carlos!
– Boa tarde lhe dê Deus, Tio Ambrósio! Vejo que já se passou de armas e bagagens aqui para o calor da sua fogueira…
– Graças a Deus vieram os primeiros pingos de chuva e, depois das três, sopra aí uma aragem fria vinda do Norte. Daí que, apesar de me ter vacinado contra a gripe, o melhor é recolher-me cá para dentro, que o seguro morreu de velho. Mas tu vens aí como se ainda fosse Verão!
– A Joana já me aconselhou a trazer um agasalho. Mas desta vez ainda resisti, porque penso que este chuvisco vai ser de pouca dura. Infelizmente! Nós bem que precisávamos aí de duas ou três semanas de chuva, daquela miudinha, da que penetra lentamente na terra, que está sequiosa como quase não tenho lembrança.
– Nem eu me lembro duma seca assim, Carlos! Mas eu tenho confiança em Deus, e sei que Ele nos não vai deixar morrer à sede, embora todas estas alterações do clima sejam culpa dos homens, que não sabem respeitar a natureza.
– Possivelmente não poderemos culpar ninguém em especial, porque, nesta como em outras matérias, todos temos culpas no cartório…
– Uns mais que outros, Carlos! Se formos a analisar com alguma profundidade este problema, veremos que a raiz do mal começa na ganância de alguns que apenas pensam no dia de hoje, não tendo qualquer perspectiva de futuro. Há várias décadas que sábios avisados vêm chamando a atenção para os comportamentos que estão na origem destas nefastas alterações climáticas, mas os homens que estão à frente dos países mais industrializados e mais poderosos do mundo estão-se nas tintas para a resolução do problema. Vozes sensatas alertam para a necessidade de conservar as florestas, que são o pulmão do planeta que habitamos, pois sem elas não teremos o oxigénio necessário à vida, e o que vemos é a destruição das matas, quer através dos incêndios que tudo reduzem a cinzas, quer com o abate de árvores centenárias para comercializar as madeiras.
– O objectivo final é sempre o lucro, Tio Ambrósio!
– Eu digo que sim, Carlos! E quando se trata de obter lucros a qualquer preço, o homem passa por cima de todas as regras, pensando apenas no imediato, nem pensando que, com atitudes destas, estão a hipotecar o futuro dos filhos e dos netos…
– A natureza tem uma capacidade imensa de se regenerar, Tio Ambrósio! Mas penso que, neste capítulo, o homem já foi longe demais e que, nem que agora comece a arrepiar caminho, serão necessárias centenas de anos para que se volte ao equilíbrio inicial.
– Mas, olhando para a cena internacional, não vislumbro que os governantes dos povos estejam com intenção de resolver esta situação, que pode vir a desembocar na destruição total da nossa casa comum. Eu, devido à minha idade, já cá não estarei para ver as condições cada vez difíceis para a humanidade em geral, e para alguns povos em particular. Este problema da falta de água, que nós começamos a sentir nalgumas regiões do nosso país, arrasta consigo muitos outros que levam ao empobrecimento das famílias e dos cidadãos. Todos nós, que temos contacto com a terra e dela tiramos o fruto do nosso sustento, sabemos que sem água não há vida…
– E não há, Tio Ambrósio! De que nos vale termos as terras para semear se não tivermos água para regar as plantas? Eu sempre ouvi dizer que a água é o sangue da terra! Repare que, neste ano de seca grave, o seu castanheiro deu fruto saboroso. Mas o calibre da castanha foi muito mais pequeno do que em anos em que as chuvas vieram no seu devido tempo.
– Sem chuva e sem calor, nada se cria, Carlos!
– Água e calor na justa medida, Tio Ambrósio! Porque eu temo bem que, devido aos fogos que devastaram a nossa região, nos próximos anos a caloreira seja tal que não deixe germinar as sementes…
– Não vamos entrar num cenário tão catastrófico, Carlos! Mas não pensemos que tudo vai continuar a ser como dantes! A natureza tem as suas leis, e muitas vezes desculpa os nossos desvarios, mas lá vai chegar a altura em que reclamará para si os seus direitos.
– Seja como for, eu daqui a uns dias vou semear dois ou três regos de favas. Se vir que não nascem, repetirei a sementeira em Janeiro, porque, como diz o nosso povo, em Maio há sempre favas.
– Cá! Porque noutras latitudes ou não há favas, ou chegam mais cedo ou mais tarde! O teu cunhado Acácio, quando, na companhia da Ermelinda, fez a sua viagem aos países do Norte, tirou fotografias, que aqui me mostrou, a um canteiro de favas que ainda estavam em flor. E isto em pleno mês de Julho…
– Já não teriam tempo para dar grande fruto. Mas não há como experimentar! Assim como quem não quer a coisa, e para não passar por tolinho, vou semear, às escondidas, uma mão cheia delas em Abril ou Maio. Quem sabe se, em Setembro, no tempo das vindimas, não me poderei regalar com favas com entrecosto e um ovo escalfado?
– Seria bom que todos os pobres tivessem uma refeição dessas, pelo menos de vez em quando, Carlos! E, a propósito disso, no passado domingo, encontraste muitos casos de pobreza extrema cá na nossa freguesia?
– Da pobreza relacionada com a falta de alimento, não, graças a Deus! Mas o homem não tem fome e sede apenas de pão, Tio Ambrósio! Encontrámos alguns idosos a viverem sozinhos, num isolamento que não deve ser nada saudável. Demos conta destes casos ao nosso Presidente da Junta que, em ligação com o grupo paroquial de acção caritativa, vai envidar todos os esforços para que estas pessoas possam passar, pelo menos parte do dia, com outras pessoas no nosso pequeno centro social. E o Tio Ambrósio também podia passar por lá, de vez em quando, para conversar e até para merendar com aqueles jovens quase do seu tempo…
– São quase todos mais novos do que eu, Carlos! Mas os problemas e as agruras da vida deixaram em muitos marcas mais profundas que os próprios anos. De qualquer modo vou aceitar a tua sugestão, até porque também vai ser proveitoso para mim essa mudança de ares! Vai lá com Deus, Carlos!
– Até domingo, Tio Ambrósio!

19/11/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (19-11-2017)

– Um bom dia nos dê Deus, Tio Ambrósio!
– A todos nós, Carlos! Incluindo até os nossos inimigos! Estou a ver que voltaste a madrugar! Olha que hoje o nosso Padre Feliciano marcou a celebração da Santa Missa para o meio-dia! Não te terás enganado nas horas?
– Eu estou habituado a erguer-me sempre cedo! Quando é possível ainda sigo o conselho daquela cantilena que todos repetíamos na escola vezes sem conta: “Deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer”.
– Também me incluo entre os que fazem desse adágio popular um princípio orientador do seu comportamento, até porque sei que a preguiça continua a ser a mãe de todos os vícios. Mesmo ao domingo, mantenho o meu horário de sempre!
– Pois eu passei por aqui agora, porque de tarde tenho aí umas voltas a dar na companhia do meu cunhado Acácio.
– Não me digas que destinastes este dia para fazer a visita a alguns doentes e pobres da nossa freguesia. É que ouvi dizer que o nosso querido Papa Francisco instituiu, para todos os cristãos, o penúltimo domingo do ano litúrgico como o “Dia Mundial dos Pobres”.
– Vossemecê está sempre em cima dos acontecimentos, Tio Ambrósio! Quem nos alertou para esta celebração foi o Liberato, já lá vão umas três semanas, no final do nosso encontro de catequese de adultos. E logo ali resolvemos fazer uma reflexão sobre este assunto, que será precedida de uma prática de estilo evangélico. Tal como os discípulos foram, dois a dois, a todos os lugares onde Jesus havia de ir, também nós nos decidimos a fazer a experiência de ir ao encontro de alguém que sintamos que vive em situação de pobreza efectiva, tentando concretizar o tema que o Papa lançou aos cristãos como um desafio para esta jornada: “Não amemos com palavras, mas com obras”.
– Aí está uma concretização daquele desejo do Santo Padre de ver a Igreja e os cristãos a levarem a mensagem de Cristo às periferias, ou seja, aos marginalizados da sociedade, aos mais esquecidos, aos que são verdadeiramente pobres, entendendo esta pobreza nos vários sentidos que ela pode ter. Porque há vários tipos de pobreza, Carlos!
– Nós sabemos, Tio Ambrósio! Mas também reconhecemos que, para além da esmola que se dá a quem estende a mão, há muitas outras formas de ir ao encontro dos que vivem nas tais periferias de que costuma falar o Papa Francisco. O Liberato recordou-nos que este deve ser um dia de verdadeiro encontro com os pobres, que se transforme numa partilha que, aos poucos, se vá tornando num estilo de vida. O Papa não se tem cansado de nos indicar o caminho, dando ele próprio o exemplo, e afirmando continuamente que Jesus se identifica com os mais pequenos e os mais pobres. “Tudo o que fizerdes a um destes mais pequeninos, é a Mim que o fazeis”– diz o Evangelho.
– Ide, Carlos! Mas não façais grande alarde dessa vossa acção! No contacto com os outros, especialmente com os que verdadeiramente precisam da nossa ajuda, temos que ser muito discretos. É ainda Jesus quem diz que, ao ajudares alguém que precisa, “não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita”. A melhor ajuda que podemos prestar aos outros é sempre silenciosa. Doutro modo, perde todo o seu valor!
– Nós estamos a aprender, Tio Ambrósio! Mas também sabemos que a celebração do
“I Dia Mundial dos Pobres” deve ter alguma visibilidade…
– Toda a gente deve saber que ele existe, que o Papa o instituiu, e para tanto tem que ser anunciado e divulgado entre os cristãos e a sociedade em geral. Mas, depois, a acção concreta dos grupos que vão para as tais periferias, deve ser o mais recatada possível, sob pena de não atingir as finalidades a que se propõe.
– Vamos fazer a experiência, Tio Ambrósio! Há por aí muita gente, mesmo alguns bons e piedosos cristãos que afirmam já não haver pobres na nossa terra. Vamos ver se isso é verdade! Vamos à cata deles, na certeza que havemos de encontrar muitos mais do que imaginávamos à partida.
– É verdade que há muitos lugares da terra onde os que sofrem de pobreza material são em muito maior número do que aqui nas nossas aldeias, onde, além do mais, já está bastante enraizado o bom costume da partilha com os que menos têm. Mas não podemos reduzir a pobreza ao seu aspecto material. Por vezes até podemos falar de pobreza moral, Carlos!
– Se podemos! Uma família onde os respectivos membros passam a vida numa zanga contínua, com insultos e até com episódios de violência doméstica, já ultrapassou há muito os limites da pobreza.
– Cá no Cabeço não conheço casos desses…
– Graças a Deus, a nossa população é toda ela cordata, com uma vida fundamentada nos bons princípios que, felizmente, ainda vão passando de pais para filhos. Mas o Papa manda-nos ir às periferias, sair da nossa rua, ir se for necessário às povoações vizinhas ou aos bairros problemáticos dos arredores das cidades maiores…
– Não vos ides atrever a tanto, Carlos! Para iniciarmos a experiência de celebração do primeiro Dia Mundial do Pobres, creio que nos basta a observação dos problemas, grandes ou mais pequenos, que estão patentes aqui na nossa freguesia. Penso que não temos casos de pessoas que passem propriamente fome. Mas começamos a ter, por exemplo, muitas pessoas de idade que não têm quem as acompanhe a uma consulta médica, quem lhes avie os medicamentos na farmácia, ou mesmo quem lhes vá comprar a mercearia à venda do Sanguessuga…
– Nesse último ponto, o Manuel das Chagas tem tudo controlado. Basta que lhe façam um telefonema, que ele se encarrega de fazer chegar as compras a toda a freguesia…
– Já é um bom serviço que se presta aos mais idosos que, só por isso mesmo, podem ser contados entre o número dos pobres.
– Eu até estou em crer que, nesta nossa primeira saída, iremos encontrar alguns casos de abandono, de gente que não tenha quem cuide da sua pessoa e das suas coisas.
– Esses são pobres, Carlos!
– Pobres ou carenciados, Tio Ambrósio?
– E qual é a diferença, Carlos? Tu sabes bem que a pobreza não diz respeito apenas à falta de bens materiais. Eu digo-te mais! Estou em crer que há muitos que precisam sobretudo de quem os ajude a recuperar os bens espirituais. Vai lá com Deus para essa vossa nobre missão!

12/11/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (12-11-2017)

– Um santo dia para si, Tio Ambrósio!
– Vem com Deus, Carlos! Mas tu deves ter-te enganado nas horas! O magusto está marcado para as três da tarde!
– Tem toda a razão, Tio Ambrósio! Mas eu preferi vir de manhã, para preparar umas coisas! O Sanguessuga também era para vir comigo, mas disse-me que teve insónias, que dormiu mal e, por isso, só vai aparecer mesmo da parte da tarde.
– E tu a que horas vais almoçar?
– Fomos à missa logo de manhã e, enquanto eu passo por aqui, a Joana foi adiantar as coisas, de tal modo que até vossemecê pode ir comer a nossa casa…
– Tu sabes bem que isso me daria muito prazer! Mas também entendes que hoje não é bem o dia mais apropriado para eu sai daqui, estando à espera de todo o pessoal do Cabeço e arredores para a castanhada do São Martinho!
– Não se preocupe, Tio Ambrósio! Foi mesmo por isso que eu resolvi passar por aqui da parte da manhã, para lhe dizer que tudo vai correr às mil maravilhas, mesmo com algumas pequenas alterações que resolvemos introduzir neste nosso encontro anual. Nós sabemos que não é neste dia que o Tio Ambrósio completa mais um aniversário, o que virá a acontecer lá para os fins da Primavera…
– Andaste a ver o meu cartão de cidadão, ou então foste ao nosso Padre Feliciano para ele verificar lá nos livros de registo da paróquia em que dia, mês e ano a minha mãezinha me deu à luz. Mas quero dizer-te que a realidade é muito diferente da que os registos apresentam. Tu talvez não saibas, mas eu esclareço-te que, naquela época, havia uma lei que obrigava os progenitores a registarem os seus rebentos no prazo de uma semana. Se assim não acontecesse, a multa era pesada e, como deves calcular, o dinheiro era pouco. Passou-se isto com dezenas e dezenas de famílias. A forma mais fácil de contornar a lei era atrasar o registo de nascimento dos filhos por algumas semanas, ou mesmo por alguns meses…
– Não me diga que o Tio Ambrósio não sabe a sua verdadeira data de nascimento e, por isso, desconhece a sua idade exacta…
– Eu conheço muito bem todos esses pormenores! Mas, tanto no meu caso, como em muitos dos rapazes e raparigas do meu tempo, celebramos o aniversário num dia muito diferente daquele em que vimos pela primeira vez a luz do dia. Por isso posso dizer que a minha data de nascimento é secreta. Embora a ti, que és como se fosses meu filho, eu um dia venha pôr-te ao corrente de todas essas coisas. Mas, por agora, convém que eu não tenha a idade que todos vocês julgam que eu tenho, embora seja do conhecimento geral e dos habitantes do Cabeço em particular que eu sou quase do tempo do Penedo da Torre.
– Estamos todos de acordo consigo, Tio Ambrósio! Mas em conselho geral dos veteranos do Cabeço foi resolvido que fizéssemos de conta que o seu aniversário acontece neste dia em que todos nos juntamos aqui à sua volta para saborearmos as suas famosas castanhas e que, para dar início a esta comemoração festiva, fizéssemos algumas alterações ao cardápio do nosso encontro. Castanhas com fartura, vamos ter!
– Cinco arrobas chegam para todos?
– Chegam, Tio Ambrósio! Mas vossemecê nunca ouviu dizer que as castanhas assadas, além de jeropiga e da água-pé, casam muito bem com umas febras de porco na brasa?
– Agora esses mestres de culinária, que proliferam por aí como tortulhos, arranjam umas combinações todas esquisitas, de tal forma que a gente nem sabe muito bem o que está a deglutir…
– Não é o caso! Muito pelo contrário! A minha cunhada Ermelinda, acompanhada de uma equipa de outras senhoras do Cabeço, andou a fazer uma recolha de receitas antigas. Até foram subsidiadas para isso pelo nosso Presidente da Junta, o amigo Liberato, com a desculpa para dar este arrombo no orçamento, dizendo que isto é cultura…
– E é, Carlos! Sabermos como se alimentavam os nossos antepassados, e como aproveitavam os frutos da terra para o sustento das famílias, é uma questão verdadeiramente cultural. Eu já te disse muitas vezes que a castanha estava na base da alimentação de muitos dos nossos antepassados. Pelo menos aqui, na minha família, costumávamos comer sopa de castanhas durante quase todo o Inverno. A minha mãe que Deus tem costumava também fazer um saboroso doce de castanhas, que era um dos que mais apreciávamos por aturas do ano novo. Mas essa de comer castanhas assadas com febras de porco grelhadas na brasa para mim é novidade! Mas aceito que seja um acepipe de a gente comer e chorar por mais! Eu sempre ouvi dizer que um homem anda a aprender até morrer.
– Pois o meu cunhado Acácio deve estar aí a aparecer, a chefiar uma equipa de voluntários, para montarem o grelhador, enquanto algumas senhoras ficaram a temperar as febras da perna do suíno que foi abatido de propósito ontem à tarde. Tudo fresquinho, Tio Ambrósio! Nós, quando pensamos numa coisa, não brincamos em serviço!
– Espero que não venhais a ter problemas com as autoridades sanitárias, que agora não costumam deixar que esses costumes antigos se cumpram, dizendo que em primeiro lugar está a saúde dos cidadãos…
– Garanto-lhe que não vai haver problema nenhum! Hoje, além de castanhas fornecidas pelo Tio Ambrósio, e da boa pinga fabricada na adega particular do nosso amigo Agostinho, vamos ter febras de porco, assadas na brasa à moda antiga. Vai ver que toda a gente vai dar por bem empregue o tempo que gastou e que a procura de castanhas para confeccionar pratos típicos vai subir no Cabeço e em outros lugares aqui das redondezas.
– Cá fico à espera para ver, Carlos! O que te posso garantir é que as castanhas não vão faltar. Este ano são mais pequenas que o habitual, mas, em vez de uma comem-se duas ou três.
– Olhe! Nem de propósito! Está mesmo a chegar a equipa do Acácio que vai instalar o grelhador! Eu, entretanto, dou um salto a casa, porque disse à Joana que não demoraria muito tempo. Até logo, se Deus quiser!
– Vai e volta, Carlos!

Catequese da Lousã celebrou o Holywins

É provável que esta tenha sido a primeira iniciativa do género na nossa Diocese (Holywins, em vez de halloween), por isso vale a pena conhecer, até porque, ao que parece, foi bastante divertido! Eis um relato na primeira pessoa:

No dia 1 de Novembro, a Igreja Católica (entre outras) celebra o Dia de Todos os Santos, em honra de todos os santos e mártires, conhecidos ou menos conhecidos.
Nesse sentido, e como não podia deixar de ser, a Catequese Paroquial da Lousã decidiu assinalar este dia com uma actividade para todas as crianças e jovens, assim como as suas famílias.
Esta actividade denominada “Holywins” (do inglês: “a Santidade vence”) pretendeu sensibilizar toda a comunidade de catequese para o dom da Santidade. Durante este momento de comunhão fraterna dos catequistas com as crianças e suas famílias, foram apresentados vários santos, como modelo de vida, tendo sempre presente a ideia que todos podemos aspirar à Santidade, como comunhão plena com Deus e Seu Filho Jesus Cristo.
A actividade decorreu no Centro Pastoral da Lousã, na véspera dia 31 de Outubro, a partir das 21h, altura em que os presentes puderam participar em vários jogos de tabuleiro sobre a história de alguns Santos e da libertação do Povo de Deus do Egipto. Alguns menos tímidos aproveitaram o microfone para apresentar os santos que estavam a representar, alguns com direito à vestimenta a condizer.
No final, este momento de alegria e boa disposição culminou com um pequeno “lanche” partilhado.
Sem dúvida nenhuma, uma actividade a repetir e a melhorar, porque: “O importante é semear. Cedo ou tarde, os frutos irão surgir”.
Carlos Antunes

05/11/2017

AO CALOR DA FOGUEIRA (05-11-2017)

– Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
– Para sempre seja louvado e sua Mãe Maria Santíssima! Vens hoje muito piedoso, Carlos! Há muito tempo que não recebia uma saudação matinal das que antigamente todos usávamos no nosso contacto diário.
– Bons costumes que se foram perdendo, Tio Ambrósio! Mas estamos sempre a tempo de os retomar! E eu penso que tudo vai com o hábito! No que à minha família diz respeito, eu sempre tenho ensinado os meus pequenos a dizerem: “bons dias nos dê Deus!”. Por vezes esquecem-se, e sei que, na escola, não é essa a linguagem oficial. Por isso, quando a mais pequena, que é a sua preferida, me veio dizer que ia deixar de se dirigir assim às colegas, eu disse-lhe que compreendia perfeitamente a sua posição. Mas fui-lhe adiantando que, em casa, me daria um gosto enorme se se habituasse a este modo de saudar os pais e os irmãos.
– Vai insistindo, Carlos! Dizem que o ser humano é um animal de hábitos, e que tanto pode aprender os bons como os maus…
– Tenho a impressão que os hábitos maus, nomeadamente no campo da linguagem, são muito mais fáceis de adquirir, Tio Ambrósio! O Sanguessuga, que está habituado, na sua loja de secos e molhados, a ouvir de tudo um pouco, embora, quando começa a ser demais, costume chamar à atenção os clientes que já beberam um copito que, se querem dizer asneiras, sabem muito bem onde é a porta de saída… O Sanguessuga, dizia eu, um dia destes foi a Coimbra e vinha de lá escandalizado com os rapazes e as raparigas que estudam na Universidade, e que vão ser os médicos, os advogados e os dirigentes políticos de amanhã.
– A rapaziada está habituada ao calão!
– O Sanguessuga garantiu-me que nunca, nem mesmo quando andou na tropa, tinha ouvido tantos palavrões juntos como os utilizados por um grupo misto de rapazes e raparigas que, pelo seu modo de trajar, devem frequentar a Universidade. Nem os carroceiros de antigamente falavam de modo tão grosseiro!
– Eu escandalizado não fiquei, Carlos! Mas senti-me triste quando um jornal transcreveu, um dia destes, uma escuta telefónica entre dois políticos que desgovernaram o país durante alguns anos.  A linguagem era da mais baixa que se possa imaginar. Tão degradante como aquilo só a conversa entre dois pedreiros que andaram aqui ao lado a fazer uma obra para o Alberto Constantino, e que, em cada três palavras utilizadas, duas pelo menos eram asneiras daquelas de fazer corar o Bocage.
– São os tempos em que vivemos, Tio Ambrósio! E eu, quando oiço, vou-me calando porque também não sou perfeito. Mas o Tio Ambrósio pode falar, porque nestes anos todos não ouvi da sua boca uma única expressão que uma criança não pudesse escutar.
– Também não sou perfeito, Carlos! Mas, se me vem a tentação, nomeadamente quando me enervo, depois procuro corrigir-me…
– Eu nunca vi o Tio Ambrósio enervado!
– Quem te escutar há-de pensar que basta lavarem-me os pés e colocarem-me no altar! Mas, infelizmente, não é assim! É verdade que já dei alguns passos importantes, como seja o de perdoar todas as injúrias que queiram lançar-me. No entanto, quando me ponho na presença de Deus, sinto-me como o profeta Isaías que, em circunstâncias semelhantes dizia: “Ai de mim, estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, que habita no meio de um povo de lábios impuros”.
– Nesse caso, que direi eu, Tio Ambrósio?
– Só quem não faz um bom exame de consciência é que não descobre que tem defeitos suficientes para não ter coragem de atirar pedras aos vizinhos. Mas quem descobre a sua indignidade e a sua pequenez, penso que está no bom caminho para se tornar melhor!
– A propósito, Tio Ambrósio! Veio-me agora à ideia de lhe perguntar se acha que os nossos políticos, eles e elas, são pessoas capazes de botarem a mão na consciência e perguntarem-se a si próprios se o seu procedimento é o mais correcto e o que melhor serve o povo que neles depositou a sua confiança.
– Tu fazes-me cada pergunta, Carlos! Sei lá! Eu vejo a cada passo ministros e deputados a afirmarem que nada lhes pesa na consciência. Quem sou eu para desdizer as suas afirmações?
– Não é preciso o Tio Ambrósio desdizer! Basta ouvirmos o que dizem e depois olharmos para os factos. Os factos é que desdizem as mentiras com que eles vão enganando o povo! O Sanguessuga até costuma afirmar que todo o político é um mentiroso encartado! E mais! Nós somos tão simplórios que ainda lhes pagamos para eles nos aldrabarem a torto e a direito…
– Não os podemos medir a todos pela mesma bitola, Carlos!
– Esse reparo fiz eu ao Sanguessuga!
– E ele?
– Sem pestanejar, corrigiu, dizendo que, com raríssimas e duvidosas excepções, todo o político é um mentiroso compulsivo!
– O Sanguessuga lá sabe as razões que o levam a fazer uma afirmação desse género! E como estamos em tempos de liberdade democrática, quem é que pode pôr em causa a veracidade de tal afirmação?
– O Manuel das Chagas até queria tornar a sua afirmação mais abrangente, misturando no mesmo saco a mentira e a corrupção.
– Mas tu não deixaste…
– Procurei botar água na fervura, chutando para canto, e remetendo o caso para o tribunal do Povo que, como todos sabemos, vai estar reunido aqui na próxima semana para a nossa habitual castanhada.
– É verdade, Carlos! No domingo que vem, quero aqui todos os habitantes do Cabeço e das povoações vizinhas para participarem no magusto que tenho todo o gosto em oferecer…
– O Tio Ambrósio oferece as castanhas! E chega! Porque nós estamos a tratar das entradas e das bebidas! Apesar de terem ardido algumas videiras, por este ano não vamos sentir a falta de uma pinga de estalo, da colheita do nosso comum amigo Agostinho, que prometeu abrir nesse dia uma das cubas, para todos podermos fazer a prova da pomada que promete estar excelente.
– A ver vamos, Carlos! E até pode acontecer que o convívio sirva para amenizarmos as nossas opiniões, nomeadamente sobre os pobres dos políticos…
– Pobres, Tio Ambrósio? Diga essa ao Sanguessuga!
– E digo, Carlos! Entretanto, tu vai lá com Deus!
– Obrigado pelos seus conselhos, Tio Ambrósio! Que Deus lhe pague!

29/10/2017

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (29-10-2017)

– Todos nós cometemos argoladas que teria sido melhor evitar…
– Eu, por exemplo, às vezes digo coisas de que, mais tarde, me venho a arrepender!
– Então somos dois, Carlos!
– O Tio Ambrósio, não!
– O Tio Ambrósio, sim! Ou tu pensas que estás na presença de algum santo? Pecador, e dos maiores, Carlos! Mas, já que ambos nos consideramos faltosos, podes dizer-me o que te apoquenta a consciência, se não é matéria de confissão sacramental, que eu depois te direi o erro que cometi.
– Vossemecê não se lembra da nossa conversa da semana passada?
– Lembro, Carlos! E não me parece que tenhas dito nenhuma barbaridade. Eu também já ando um bocado esquecido, e é natural que não grave na memória tudo aquilo que ouço.
– Pois eu recordo-me muito bem de lhe ter dito que, estes marotos que têm lesado o país, deviam ter a humildade suficiente para pedirem desculpa e, se ainda fosse possível, reparar os danos causados.
– Tu falavas sobretudo de um que já foi nosso primeiro e que ninguém, nem a sua própria consciência, o leva a admitir que alguma vez tenha errado, quando a todos nós nos parece tudo tão evidente. E afinal, logo um seu sucessor, camarada e amigo, vem a cometer a mesma falta, num contexto totalmente diferente, ao não ter a humildade de ao menos pedir desculpa aos lesados e aos familiares das vítimas mortais do sinistro do passado dia 15 de Outubro.
– E custava-lhe muito, Tio Ambrósio? Iriam cair-lhe os parentes na lama por ter assumido a atitude nobre de reconhecer que não tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para evitar mais esta tragédia? Em casos de muito menos importância, por exemplo no desporto, temos visto treinadores a assumirem as responsabilidades de uma derrota, mesmo sabendo que, com isso, correm o perigo de lhes ser indicada a porta de saída.
– E como isto é uma partilha que, se calhar não vai ficar só entre nós, porque as paredes têm ouvidos, devo confessar-te que...

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25/10/2017

Em vez de halloween: Holywins!

“Halloween” significa qualquer coisa como “noite de todos [os Santos]” (a noite de 31 de Outubro para 1 de Novembro), mas não passa de uma comemoração pagã da bruxaria e do satanismo, diluída, porém, numa espécie de carnaval de mau gosto em que crianças e jovens são convidados a disfarçarem-se se fantasmas, bruxas e outros personagens da feitiçaria e do mundo do terror e da morte (como se fosse uma coisa muito “fofinha”…). É a “noite das bruxas”, algo que deveria repugnar a qualquer católico. O cristão celebra o triunfo da Vida, e não o culto da morte.
Depois de tantos séculos de evangelização, o paganismo sobrevive por aí, em todas as manifestações de superstição, bruxaria, ocultismo, etc.. É impossível ser católico e aderir a essas formas de paganismo: tal como a água não se mistura com o azeite, não há reconciliação possível entre as trevas e a luz. Celebrar o halloween, de facto, não é para nós.
Para devolver o verdadeiro sentido ao dia de Todos os Santos, há dioceses e grupos católicos que começam a pôr em acção outra iniciativa por estes dias: em vez de halloween, celebram um “Holywins”. Holywins significa “a santidade vence”. É uma iniciativa em que os participantes fazem várias actividades vestidos de Santos (podendo escolher o seu Santo favorito), em vez de se disfarçarem de bruxas e lobisomens. É celebrar a vida em vez da morte, a vitória da luz sobre as trevas. E é um convite a conhecer melhor as vidas dos Santos, heróis da fé, heróis da vida real muito mais fascinantes do qualquer super-herói de qualquer filme ou desenho animado. Fica a dica…
Pe. Orlando Henriques

130.º aniversário do nascimento do Padre Américo

A Casa do Gaiato comemora o 130.º aniversário do nascimento do seu fundador, Padre Américo Monteiro de Aguiar, num vasto programa cultural que teve início no passado dia 7 de Outubro, no Seminário Maior de Coimbra (onde ele estudou), com uma visita às instalações e uma celebração eucarística.
A vida de Américo Monteiro de Aguiar ficou marcada pela fundação da Obra da Rua, destinada a acolher rapazes sem lar. Eram o “lixo das ruas”, como ele designava os rapazes que ninguém queria. Vivia-se, nessa altura, a II Guerra Mundial, muitas crianças eram abandonadas à sua sorte e à sua fome.
A Obra da Rua e as suas Casas do Gaiato, presentes em Coimbra e Miranda do Corvo, aparecem como um farol para estes miúdos, propondo uma alternativa, desde a formação intelectual, a doutrina, a educação, e uma profissão para a sua autonomia.
Sobre a Obra da Rua e o seu método, escrevia “Pai Américo” (como era tratado pelos miúdos): “A Casa do Gaiato é uma obra eminentemente social e familiar. Não tem pautas nem estatutos nem regulamento - nem orçamento!” Viviam (e ainda hoje) das esmolas, donativos ou daquilo que produziam nas suas quintas.
Além dos rapazes da rua, Américo Aguiar preocupou-se também com os doentes, para os quais criou o Calvário, e com as famílias sem casa.
Américo Monteiro de Aguiar nascera em 23 de Outubro de 1887, em Galegos (Penafiel). Trabalhou ainda numa loja de ferragens e como expedidor, em Moçambique. Em 1923 entrou nos franciscanos, que depois abandonará para ser acolhido no Seminário Maior de Coimbra, onde se formou presbítero. Ordenado padre em 29 de Julho de 1929, dedica-se aos miúdos da rua em Coimbra, onde inicia campos de férias até que, em 1940, cria a primeira Casa do Gaiato, em Miranda do Corvo. Morre a 14 de Julho de 1956, dois dias depois, de um grave acidente de carro.
No dia 28 de Outubro, às 21h00, no Salão Paroquial de S. José, em Coimbra, realiza-se um Colóquio “Padre – Pai Américo – 130.º Aniversário (1887-2017)” com a participação de Monsenhor Dr. Arnaldo Pinto Cardoso, Postulador da Causa de Canonização e do Prof. Doutor Henrique Manuel Pereira, da Universidade Católica Portuguesa. No dia 29, às 12h00, na igreja paroquial de S. José celebra-se uma solene Eucaristia com a presença de antigos e actuais gaiatos.
Miguel Cotrim

Bono (U2) também vai à Missa

E se de um belo dia participasse numa Eucaristia com o seu artista ou actor preferido? Qual seria a sua reacção? Ficaria eufórico(a) e publicaria imediatamente no facebook ou no instagram fotos com ele(a). Foi o que aconteceu aos fiéis da paróquia do Ginásio Moderno em Bogotá, Colômbia, ao serem surpreendidos com a presença do vocalista da banda rock irlandesa U2 e alguns membros do grupo, que no dia anterior tinham dado um concerto na mesma cidade.
Mesmo com a agenda apertada por causa da tournée “The Joshua Tree 2017” na América do Sul, ainda houve tempo para um recolhimento espiritual, participar na Eucaristia e comungar. Que testemunho mais bonito não podia ter deixado aos jovens daquela paróquia…
No fim da celebração, a presença do cantor não passou despercebida, onde muitos quiseram tirar as célebres selfies e receberem um autógrafo. Mas, Bono, depois de responder a todas as solicitações, foi embora da mesma maneira que chegou, sem causar barulhos e confusões.
A única intenção foi sentir a presença de Deus.
Numa série de entrevistas, Bono Vox já tinha manifestado a sua fé em Jesus Cristo. Leitor assíduo das Sagradas Escrituras, descobriu através do livro dos Salmos a sua relação com Deus. Segundo o cantor irlandês, “o único problema que Deus não pode resolver é aquele que você tenta esconder”.
Para quem quer começar a conhecer esse livro da Bíblia, o cantor recomenda o Salmo 82: “‘Defendei o fraco e o órfão. Fazei justiça ao humilde e ao indigente. Libertai o fraco e o pobre’. Isto para mim não é caridade, mas sim justiça”.
Miguel Cotrim

O novo beato Titus Zeman

Para muitos este nome dirá pouco. Foi beatificado no dia 30 de Setembro, em Bratislava, Eslováquia, o padre salesiano Titus Zeman.
Em 1946, sob o domínio comunista, Titus opôs-se à eliminação dos crucifixos das salas onde dava aulas. Em 1951, foi detido e acusado de espionagem e traição. Foi condenado a 25 anos de prisão. Cumpriu a pena em diferentes prisões até que foi levado para um centro de gestão de material radioactivo, onde foi obrigado a trabalhar na trituração manual do urânio. Morreu no dia 8 de Janeiro de 1969.
Por cá assistimos, há alguns anos atrás, impavidamente à retirada dos crucifixos nas salas de aulas sem que ninguém se opusesse ou tivesse coragem de ir contra
esse princípio de querer um Estado laico, negando as suas raízes históricas e cristã. O Parlamento Europeu foi mais longe e retirou o nome de “Deus” da constituição.
Miguel Cotrim

Afinal, o que é uma ultreia?

(22-10-2017)
Conforme noticiámos, o Movimento dos Cursilhos de Cristandade celebrou a sua Ultreia Diocesana no passado dia 5 de Outubro, em Ferreira do Zêzere. É natural que alguns leitores possam ter ficado a interrogar-se: mas, afinal, o que é uma ultreia?
“Ultreia” ou “ultreya” (que vem de: ultra + eia!) significa “mais além”. Era o antigo grito com que se punham a caminho os peregrinos que peregrinavam para os lugares santos, encorajando-se uns aos outros a enfrentar as dificuldades do caminho.
Os que fizeram um Curso de Cristandade viveram três dias muito intensos e, agora, continuam a peregrinar no quarto dia, um “quarto dia” que é todo o resto da sua vida. E para que o entusiasmo não arrefeça, muitos deles continuam a encontrar-se para se animarem uns aos outros, num ambiente de fé, amizade e de partilha. Esses encontros são feitos em pequenos grupos de amigos, mas, de vez em quando, esses vários grupos encontram-se todos para fazer uma grande reunião de grupos, num ambiente de festa como só os cursistas sabem fazer! Essa grande festa é que é a ultreia. Através dos testemunhos, da animação e da oração, em especial a Eucaristia, renova-se o encontro com Cristo e a força para continuar a peregrinação no quarto dia.
Convido todos os leitores a unirem-se em oração à equipa que já está a trabalhar na preparação dos próximos Cursos de Cristandade da nossa Diocese.
Pe. Orlando Henriques

Que seca!

(15-10-2017)
Por muito que o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, diga que a o aquecimento global é um mito, por muito que as suas campanhas digam que as emissões de carbono nada têm de mal (porque, alegam eles, o carbono também faz parte da natureza), verdade é que este “Verão retardado” que não nos dá tréguas mostra bem que a poluição está mesmo a alterar o clima. Em pleno Outubro com temperaturas acima dos 30 graus? Com incêndios tão violentos como em Agosto? O rio Ceira está sem água no concelho da Pampilhosa da Serra: as formigas podem, se quiserem, atravessar o rio, sobre o cascalho seco. Isto só pode ser mau. Mas ainda ouvimos locutores a anunciarem que “vai estar bom tempo” com uma boa disposição ignorante, com a mesma ignorância das pessoas que se aborrecem com os poucos dias de chuva que ainda temos no ano.
Deus pôs o homem no mundo “para o guardar e cultivar”, continuando a obra da criação de Deus; para dominar a criação; mas não para a destruir! Os crimes do mundo são enormes. Acumulámos pecados que chegam até ao céu, esse céu que agora se nos fecha, negando a bênção da chuva; porque o mundo preferiu o lucro e nada ligou aos avisos de que a poluição ia alterar o clima e tornar-nos a vida penosa. Os acordos internacionais são uma hipocrisia: ninguém os cumpre.
E nenhum de nós se pode pôr de fora deste crime colectivo, pois todos temos as mãos manchadas de petróleo: quer tenhamos carro quer andemos no carro de outros, qualquer deslocação que façamos, seja em trabalho ou em lazer, implica queimar combustível, emitir gazes que provocam efeito de estufa no planeta; os artefactos que compramos foram produzidos à custa da poluição das fábricas; até uma simples peça de fruta queimou gasóleo para chegar à prateleira de supermercado onde a compramos. Eu e tu também fazemos parte do problema, não são só os outros, nem só os políticos. Não, se o tempo está trocado não é culpa de “astronautas” que “andam lá em cima a mexer”; a culpa é minha e tua.
Quando subo aos altos das serras da Pampilhosa (as mais altas da nossa Diocese), vejo, por trás da serra do Lorvão, uma névoa escura ao longo de toda a linha litoral. Do cimo do Colcurinho vê-se bem uma névoa parecida a acompanhar de perto a cordilheira do Caramulo, conforme o percurso da A25), que se torna assustadoramente maior sobre a cidade de Viseu.
Por outro lado, também é certo que não temos grandes alternativas: onde estão os meios alternativos para vivermos a vida de hoje sem poluirmos? Até lá, a destruição vai continuar a avançar de forma irreversível, e vamos senti-la na pele. Que Deus tenha misericórdia de nós!

Pe. Orlando Henriques

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (22-10-2017)

– Graças a Deus Nosso Senhor, parece-me que não há nenhum habitante nem natural do Cabeço envolvido naquela barafunda política e económica a que resolveram dar o nome de “Operação Marquês”.
– Ninguém nos pode garantir uma coisa dessas, Carlos! Os envolvidos são tantos que nunca se sabe se algum dos nossos patrícios que trabalham em Lisboa, sem saber que estava a ser levado, tenha sido moço de recados de algum dos barões do capital. Temos, por exemplo, alguns rapazes descendentes cá da terra que desempenham o honroso ofício de taxistas. Por isso é possível que algum deles tenha transportado alguém que se dirigisse para esta ou aquela morada, levando consigo uma pasta cheia de cacau…
– Se isso aconteceu não é motivo para ser incriminado, Tio Ambrósio! O taxista sabia lá que aquele cavalheiro engravatado levava na pasta documentação comprometedora ou mesmo uns maços de notas de quinhentos, que são uma coisa que eu nunca vi! Vossemecê sabe o que é uma nota de quinhentos?
– Por cá há pouco disso. Penso que são mesmo muito raras! Mas um dos nossos emigrantes, em gozo de merecidas férias cá na terra, veio aqui visitar-me e perguntou-me se eu queria ver uma raridade. Eu até pensei que fosse algum objecto de colecção, uma medalha ou coisa assim, e acenei positivamente. E fiquei com os olhos arregalados quando ele me pôs na mão uma dessas notas que valem muito mais que a minha pequena pensão de velhice. Se eu fosse com uma coisa daquelas ao Sanguessuga para pagar um peixe de bacalhau e um quilo de arroz, o homem até ficava gago, e ficaria a pensar aonde é que eu tinha ido desencantar uma raridade daquelas.
– Estou mesmo a ver o Sanguessuga a pegar na cédula bancária e a dizer que o Tio Ambrósio tinha sido burlado por algum desses fulanos que andam por aí a enganar os mais velhotes, dizendo-lhes que é muito mais seguro ter as poupanças numa só nota de quinhentos do que num quarteirão delas de vinte…
– Anda por aí um ganau que é bem capaz de fazer dessas ou ainda piores, iludindo os idosos com notícias do género de as notitas que têm lá em casa estarem a passar de validade, e ser bom trocá-las por outras acabadinhas de sair da impressora, mas que não passam por vezes de cópias falsificadas.
– Numa dessas vai ser muito difícil fazerem-me cair, primeiro porque não tenho dinheiro para guardar, e depois porque ainda tenho dois dedos de tino para saber distinguir um vígaro dum homem de bem…
– Isso dizem todos, Tio Ambrósio! Mas vossemecê sabe que esses fulanos têm uma lábia capaz de fazer mudar de ideias o mais sábio e sério dos velhotes…
– Já me apareceram aí, Carlos! E dessa vez tive sorte porque, entretanto, quando eles estavam a meio do paleio ludibriador, chegou o teu cunhado Acácio, que vinha para me mostrar mais umas fotografias que ele tinha feito naquela viagem aos países do norte. E os fulanos arranjaram uma desculpa esfarrapada e viraram as costas…
– Como está a ver, é preciso ter sempre muita cautela!
– Mas o emigrante da nota de quinhentos conheço-o eu desde que ele andava de calções! Vinha mesmo para me cumprimentar e fazer-me ver que, felizmente, a vida lhe está a correr bem na Alemanha, onde trabalha há mais de vinte e cinco anos. É filho do Tio Manel Ferrador. Não sei se te lembras dele…
– Lembro-me muito bem do pai e do filho, que é um rapaz do meu tempo, que se chama Hermínio e que casou com uma rapariga de Chancas de Baixo, a Adosinda. Há quantos anos não vejo esse fulano, de quem sou amigo, até porque nos encontrámos na vida militar…
– Pois foi ele que me mostrou a quinhentola, e me disse, certamente para me exibir a sua abastança, que lá é comum usar dinheiro deste nos mais diversos pagamentos…
– Gabarolices, Tio Ambrósio! Mas eu nem lhe levo a mal! Nem a ele nem aos outros nossos patrícios que se vêem obrigados a sair da sua terra para ganharem o sustento para si e para os familiares. De resto, isto vinha a propósito, não dos salários dos nossos emigrantes, que, muitas vezes são bastante mais elevados que os nossos, mas dos desvios de uma gatunagem que se instalou em Portugal nestes últimos anos…
– Verdadeiros crimes de colarinho branco…
– O Liberato diz que são roubos de luvas brancas…
– Para sermos verdadeiros, eles nem precisam nem de colarinhos nem de luvas! Hoje, segundo me dizem, basta um computador e, em poucos minutos, fazem-se transferências de autênticas fortunas para os tais paraísos fiscais. O trabalho é feito por profissionais, de modo a não deixar rasto.
– Não é bem assim, Tio Ambrósio! O que eles conseguem é armar uma teia tal que a justiça encontra sempre algum empecilho, de modo a prolongar indefinidamente os processos, muitas vezes até caírem no rol do esquecimento. Mas o nosso povo, que é tudo menos burro, sabe bem que aquelas fortunas foram adquiridas com marosca, e que aqueles marmanjos se apoderaram de verdadeiras fortunas que pertenciam e pertencem ao povo. Aquilo nem precisava de juízes formados em direito nas nossas universidades! Qualquer indivíduo honesto, mesmo que tenha feito simplesmente a quarta classe, perante a desfaçatez de tais malabaristas, chega facilmente à conclusão que, quando estes negam os seus crimes económicos, estão a mentir com quantos dentes têm na boca.
– A lei permite que cada um se defenda com todas as armas que tiver ao seu alcance…
– Mesmo que seja a mentira descarada?
– Tu não és tão ingénuo que vás admitir que os acusados venham declarar em público que entraram em negócios ilícitos, com os quais deram grandes prejuízos ao país, levando mesmo algumas instituições economicamente saudáveis à bancarrota…
– Não vêm declarar, mas deviam vir, Tio Ambrósio! A não ser que eles tenham mandado a consciência às ortigas…
– Tu falas de consciência em malandros deste calibre, Carlos?
– Todo o ser humano pode errar, Tio Ambrósio! Mas, quando a sua consciência o leva a descobrir que errou, deve ter a humildade suficiente para pedir desculpa e, se ainda for possível, reparar os danos causados.
– Essa é doutrina para homens com H grande, Carlos! Mas estes de que estamos falando são seres humanos sem vergonha e sem carácter! Entendes?

21/10/2017

Bispo de Coimbra: o auxílio às vítimas dos incêndios de Outubro de 2017

INCÊNDIOS DE OUTUBRO DE 2017
NOTA DO BISPO DE COIMBRA SOBRE O AUXÍLIO ÀS VÍTIMAS

Diante do sofrimento de tantas pessoas, que se viram enredadas pelo fogo e pelo medo nos incêndios de Outubro, não podemos ficar insensíveis. Ao vermos o panorama desolador de casas e empresas destruídas, de florestas queimadas, de rostos sem alegria e de homens e mulheres sem emprego e que lutam por manter a esperança, sentimos o apelo interior à solidariedade e à partilha do que somos e do que temos.

A caridade é o coração do Evangelho e tem de ser também o coração da Igreja, de cada uma das suas comunidades e de cada um dos seus membros. Sem ela seria vã e falsa a nossa fé, como nos sugere a Epístola de Tiago: “Se um irmão ou uma irmã não tiver que vestir e lhes faltar o alimento de cada dia... de que lhes servem as vossas palavras?” (Tg 2, 15).

Muitos irmãos e irmãs não têm casa, nem roupa, nem alimento, nem alegria... e nós podemos e queremos ajudá-los. A nossa Diocese de Coimbra, tão duramente atingida pelas sucessivas vagas de incêndios, que dar mais um sinal de que a caridade está no seu coração e se exprime nas suas obras.

Nesse sentido, informo o seguinte:

- o ofertório de todas as celebrações dominicais de 5 de Novembro, realizadas na Diocese de Coimbra, destina-se na sua totalidade a auxiliar as vítimas dos incêndios e deve ser entregue na Cúria Diocesana com a maior brevidade;

- a Caritas Diocesana de Coimbra assume em nome da Diocese a missão de prestar todo o auxílio possível às populações, de acordo com as necessidades identificadas pelas autarquias, com as quais está em contacto;

- outros donativos serão entregues na conta da Caritas que centraliza os apoios para as vítimas dos incêndios/2017: IBAN PT50 0018 0003 44379659020 66.

Grato pelo bom acolhimento desta iniciativa, peço que continuemos unidos na oração que fazemos uns pelos outros e, especialmente, pelos que mais precisam de consolação e de esperança.
 
Coimbra, 20 de Outubro de 2017
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

Mensagem do Bispo de Coimbra aos atingidos pelos incêndios

Caríssimos Diocesanos e irmãos
Diante da calamidade que se abateu de novo sobre a nossa Diocese de Coimbra e sobre Portugal, sinto-me muito próximo de todos quantos estão a sofrer na sua própria carne a perda dos seus bens e, mais ainda, dos seus familiares, irmãos e amigos, conhecidos ou desconhecidos.
A aflição destes dias causou grande dor, que perdura no coração, na memória e no tempo, mas não nos deixará abatidos e sem esperança. Felizmente temos motivações imensas para ultrapassar tudo o que agora sentimos: a grandeza da profunda humanidade, o sentido da fraternidade, a iluminação da fé e o estímulo da caridade cristã.
Não tenho capacidade para resolver as situações difíceis que muitos estão a viver, mas posso apelar a todos para que estejamos próximos uns dos outros com a consolação do amor, da oração e da solidariedade.
Peço a todos, públicos ou privados, comunidades e pessoas, que façam tudo o que estiver ao seu alcance para que a ninguém falte o necessário dos bens materiais e espirituais a que têm direito enquanto membros do povo português e da Igreja de Deus.
Deixo uma palavra de gratidão aos bombeiros e aos que, generosamente e por sentido do dever, têm ajudado as populações em dificuldade.
Rezo pelo eterno descanso dos que perderam a vida e pela consolação dos que sofrem.
Deixo um grande abraço, na comunhão de Deus, que nunca nos deixa sós.

Coimbra, 16 de Outubro de 2017
Virgílio Antunes, bispo de Coimbra

15/10/2017

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (15-10-2017)

– O Tio Ambrósio até já pensava que eu hoje não vinha ter consigo para a nossa conversa dominical….
– Já me tardavas um pouco, é verdade! E tu sabes bem que domingo sem a tua presença não é a mesma coisa. Podem vir outros amigos, fazerem as perguntas mais variadas e falarem sobre os mais diversos assuntos, mas falta-me o sacramento da tua presença real, aqui ao pé de mim, como um filho ao pé do pai…
– No entanto, embora tenha chegado mais tarde, posso garantir-lhe que passei uma boa parte desta tarde a pensar em si. Assim a dizer para comigo próprio: “que pena não estar aqui também o Tio Ambrósio, porque tenho a certeza que ele ia apreciar a companhia da família do meu amigo Abilino, e a presença dos compadres Sequeira e Gonçalves, que são dois excelentes conversadores, para além de apreciadores do opíparo repasto que foi servido, não à sombra dum secular castanheiro, mas de um belo exemplar de carvalho negral”.
– Desta vez mudaste de ares…
– Apenas durante algumas horas. Vossemecê bem me viu na nossa missa paroquial. Mas depois saí, sorrateiramente, assim como quem não quer a coisa, para cumprir uma promessa que, já há bastantes anos, fiz a um grande amigo meu. Só agora deu para cumprir o prometido, mesmo que, em relação a algumas pessoas, a visita fosse de pura e sentida saudade. Mas tenho a certeza que o meu amigo Aires ficou contente por saber que eu me fui sentar à sombra do seu carvalho preferido e conviver, durante algumas horas, com os seus descendentes mais chegados. Eu ainda convidei o meu cunhado Acácio para me acompanhar e provar o bíblico borrego com ervas aromáticas, mas ele escusou-se delicadamente com um afazer qualquer em que a Ermelinda o meteu à última hora. E até ela, a minha cunhada, havia de ter gostado de uma animada conversa com a dona da casa, a dona Gabriela, e mai-la sua simpática filha, a menina Mónica…
– Uma tarde bem passada!
– Se eu soubesse que vossemecê estava livre, quem ia comigo era o Tio Ambrósio que, entre outras coisas, me podia explicar se o carvalho a cuja sombra nos sentamos, era mesmo um carvalho negral, ou um carvalho português, que eu não sei distinguir muito bem as variadas espécies da flora portuguesa…
– Para essas bandas por onde andaste, é bem possível que se trate de um carvalho português, que tem um porte médio, e cuja madeira é utilizada pelos tanoeiros, porque os seus taninos sobressaem bem em alguns vinhos tintos. Mas tu sabes bem que eu conheço mais de castanheiros do que de carvalhos…
– Por falar em castanheiros, o seu já bota castanhas, não já?
– Este ano vieram mais cedo, e já apanhei mais de duas arrobas delas, só das que vão caindo. Se tu não viesses de um pantagruélico almoço, eu até te convidava para assarmos um punhado delas, para vermos se são tão saborosas como bonitas…
– Lá por isso, não quero que o Tio Ambrósio fique sem provar as castanhas. Eu vi ali à entrada um pequeno braçado de caruma, e logo me pareceu quais eram as suas intenções. Que sejam cumpridas! Temos é que ter cautela com a pequena fogueira, porque, este ano, devido à seca, a autoproclamada época dos incêndios prolongou-se por mais umas semanas…
– Não me fales disso, que eu fico logo arreliado, Carlos! Prefiro remeter-me ao silêncio do que ter de admitir que isto dos incêndios em Portugal, sendo uma questão tão gravosa pode ser apenas de origem casual, por descuido deste ou daquele. Aqui tem que haver uma mão, ou muitas mãos criminosas.
– O povo diz isso à boca cheia, mas de pouco importa! Mal chegam dois ou três dias de sol e calor, reabre imediatamente a época dos incêndios. Isto é já uma verdadeira praga, da qual não vamos conseguir libertar-nos tão depressa…
– Ponto final, Carlos! Não quero falar mais desse assunto, e basta! Aliás parece-me que há gente interessada em que as pessoas e os jornais e as televisões falem deste tema. Eu recuso-me. Ponto final, parágrafo!
– E eu, entretanto, já esbolei um quarteirão de castanhas, que devem chegar para vermos se, realmente, este ano são de boa qualidade.
– Isso, nessa caruma, demoram a assar apenas dois ou três minutos, não mais! É o tempo que eu demoro a ir ali dentro para ver se encontro uma garrafa de jeropiga nova, que me trouxe o meu amigo Agostinho…

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09/10/2017

Um hino à esperança

Numa das suas audiências públicas, às quartas-feiras, o Papa apresentou um “hino” à esperança, convidando ao respeito pela história de cada pessoa e à capacidade de acreditar mesmo perante as dificuldades.
“Sente-te responsável por este mundo e pela vida de cada ser humano. Pensa que cada injustiça contra um pobre é uma ferida aberta na humanidade e diminui a tua própria dignidade”, disse, na audiência pública semanal, que reúne sempre milhares de pessoas na Praça de São Pedro, no Vaticano.
Num texto em forma de diálogo “tu a tu”, o Papa desafiou todos os seus ouvintes a não ter medo de sonhar e a serem construtores de paz, “irmão de todos”.
“Ama as pessoas; ama-as, uma a uma. Respeita o caminho de todos, seja ele linear ou enviesado, porque cada um tem a sua história a contar, cada um de nós tem a sua própria história”. “Em nós palpita uma semente de absoluto. Deus não decepciona: se colocou uma esperança nos nossos corações, não foi para cortá-la com contínuas frustrações. Tudo nasce para florir numa eterna primavera”.
O Papa Francisco convidou a superar o “desânimo” e a ver o mundo como “um milagre de Deus”. “Confia em Deus Criador, que levará a sua criação à sua realização definitiva. No Espírito Santo, que guia todo o bem. Em Cristo, que nos espera no final da nossa existência”.
Miguel Cotrim

08/10/2017

Cuidado: a ideologia de género está aí!...

Deus criou o ser humano sexuado: existimos como homem ou como mulher, diferentes fisicamente, mas também psicologicamente, espiritualmente… embora complementares! Não é um mal que homem e mulher tenham papéis diferentes: é uma grande riqueza, porque se completam, cada qual com as suas riquezas, para o bem um do outro, dos filhos e da sociedade.
A chamada “ideologia de género” é uma teoria que, basicamente, diz que não há “homem” nem “mulher”, isto é, que não há ser masculino nem ser feminino: diz que cada pessoa pode decidir ser “homem” ou “mulher” independentemente do corpo com que nasceu; e que os papéis masculinos e femininos são uma invenção da sociedade. É esta doutrina que está na base de todas as aberrações que se cometeram (e estão a tentar cometer) contra a família: os “casamentos” homossexuais, a adopção de crianças por “casais” gays, o transexualismo, etc.. A ideologia de género vai contra realidades tão claras e evidentes como a biologia do nosso corpo sexuado (ou masculino ou feminino) e a psicologia que é diferente no homem e na mulher. É uma teoria que rouba a paternidade ao homem e a maternidade à mulher, dizendo que isso são papéis inventados pela sociedade. Esses “iluminados” atrevem-se a contradizer a própria natureza! Embora só as mulheres possam ficar grávidas e amamentar as crianças, insistem em dizer que o papel de mãe foi arbitrariamente atribuído às mulheres.
São estas ideias mirabolantes que têm fermentado na Assembleia da República nas últimas semanas, onde se tentam legalizar as mais delirantes propostas. E o caso é sério, porque são as crianças que estão em perigo: os teóricos desta doutrina aberrante não descansam enquanto a ideologia de género não for infundida às nossas crianças desde a creche… Sob o nome de “educação” sexual, a ideologia de género prepara-se para entrar na escola, sexualizando e desequilibrando as crianças desde a mais tenra idade.
Pe. Orlando Henriques

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (08-10-2017)

– Aquilo, no passado domingo, foi até às tantas, Carlos! Ainda bem que eu me apercebi a tempo e, antes que a noite me encontrasse desprevenido vim devagar, e com o estômago confortado com aquela sopa da Joana, digna de um presidente ou mesmo de um rei verdadeiro, até este meu solar da Quinta dos Castanheiros…
– Para ser um verdadeiro solar, só lhe falta uma torre e um portão de entrada em ferro forjado…
– Podes gracejar, que eu não levo a mal, Carlos! Esta é uma casa modesta, que herdei dos meus antepassados, e que fui remodelando só naquilo que achei que era extremamente necessário. Melhorei uma das divisões para colocar uma estante com os meus livros, que são cada vez mais, embora eu faça um sacrifício para me conter cada vez que entro numa livraria ou que vou à feira das velharias, onde encontro alfarrábios que são verdadeiras preciosidades. Depois também mandei fazer uma casa de banho decente, com água quente para tomar duche no Inverno e dei um arranjo na cozinha. Tudo o mais está como estava há um moio de anos atrás. Mas considero que tenho o conforto necessário para um homem modesto como eu tento ser. Nunca alimentei desejos de ter mais isto ou aquilo, até porque sempre vivi com pequenos recursos, e agora só posso contar com a reforma que, felizmente, aumentou meia dúzia de euros e com o abate de algumas árvores que os incêndios não reduziram a cinzas. E todos os dias dou graças a Deus pelos muitos dons que me vai concedendo.
– Eu faço outro tanto, porque acho que é essa a minha obrigação. Mas vossemecê desviou a conversa, e eu não sei se não foi de propósito…
– Não, Carlos! Eu estou mesmo interessado em saber como acabou a noite eleitoral no Cabeço. Foguetes não ouvi, porque agora, por causa dos incêndios, penso que estão proibidos. Mas parece-me que houve festa da rija no adro da igreja, também conhecido como largo do cruzeiro…
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03/10/2017

RALI DE CEIRA – Escuteiros promovem Grande Prémio de Carros de Rolamentos

No próximo dia 8 de Outubro, a partir das 15h00, a descida entre a Cruz da Serra e a localidade de Vendas de Ceira (3 km), vai ser palco da XXIª Edição do Rali Madeira e Ferro (corrida de carros de rolamentos) – IIª Descida de Trikes. 
Este evento, da responsabilidade dos Escuteiros de Ceira (Agrupamento 309 do CNE), tem a sua origem no ano de 1986. Segundo um comunicado do Agrupamento, o evento mantém “os objectivos que estiveram na génesis do seu nascimento”, que continuam “mais do que actuais”, a saber: “o incentivo ao desenvolvimento da criatividade e habilidade manual, a ocupação do tempo livre, principalmente dos jovens, e o estímulo a todos os construtores de carros de rolamentos que têm possibilidade de passar um dia de diversão e puro convívio.”
Destacam, ainda, que esta é “uma iniciativa pioneira no género em Portugal que está a comemorar 30 anos de existência, e que, nos anos 90, foi amplamente divulgada pelos programas Portugal Radical, da SIC, e Sem Limites, da RTP”.

01/10/2017

Um novo Lepanto

A ameaça islâmica na Europa não é só de agora… O terrorismo da jihad ameaçou a Europa praticamente desde o seu início e foi combatido, travado e expulso ao longo de muitos séculos em diversos lugares da Europa (inclusivamente nas nossas terras!).
A 7 de Outubro de 1571 travou-se a famosa batalha do Lepanto, uma batalha naval ao largo da Grécia que afastou a ameaça islâmica da Europa de forma decisiva e por muito tempo. Graças aos contactos feitos pelo Papa São Pio V, vários reinos cristãos da Europa (alguns deles inimigos entre si!) uniram-se para fazer frente aos turcos, cujo avanço conseguiram travar nessa batalha, impedindo-os de invadir na Europa. Foi assim que a Europa pôde continuar a ser Europa até hoje, com a sua cultura e a sua fé, e não com a ditadura terrorista de um califado.
Ainda hoje, no aniversário dessa batalha (7 de Outubro), a Igreja comemora Nossa Senhora do Rosário, tornando-se Outubro o mês do Rosário. Isto porque a vitória foi atribuída não apenas à força das armas, mas, principalmente, a Nossa Senhora e à força da oração do Rosário! O Papa Pio V convocou todos os cristãos para rezar o Rosário e fazer jejum e penitência, e houve a plena consciência de que foi graças a Nossa Senhora, através da oração do Rosário, que a batalha foi vencida.
Hoje, com os terroristas islâmicos a atacar já dentro da Europa, faz-nos falta voltar a confiar na Mãe do Céu. Estamos num novo Lepanto: há que aprender com os antigos. Mas, hoje, temos uma dificuldade talvez maior do que no século XVI: convocar as pessoas para a oração. A Revolução Francesa, que se espalhou a todo o mundo ocidental (e, de certo, continua até hoje em vigor), primou pela perseguição à Igreja. Será possível colocar esta Europa novamente a rezar à Mãe do Céu neste momento em que só Ela lhe pode valer? Sim, creio que, pelo menos o “resto de Israel” que sobra nesta velha e decadente Europa há-de pegar no Terço sabendo que ele será, hoje, tal como ontem, a grande arma que vai vencer a jihad, uma vez mais.
Pe. Orlando Henriques

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (01-10-2017)

– Bons dias nos dê Deus, Tio Ambrósio!
– Bons olhos te vejam, Carlos! Então acabas de cumprir o teu dever de cidadania, indo votar para estas eleições autárquicas?
– E vossemecê parece que vem do mesmo, Tio Ambrósio!
– Sou sempre dos primeiros, Carlos! Como o nosso Padre Feliciano, nestes dias, nos faz o favor de celebrar a santa missa logo pelas oito da manhã, cumpro os dois deveres, um a seguir ao outro. E, de tarde, tenho tempo para dar um pequeno passeio, ou para conversar contigo, se quiseres aparecer. Mas já sei que hoje não vou contar com a tua presença depois do almoço. Ficas por aqui a conferir os resultados eleitorais…
– Olhe que não, Tio Ambrósio! Como já ambos cumprimos o nosso dever cívico de votar, eu até aproveitava para o convidar a ir comer a sopa lá a casa.
– Não avisaste a Joana…
– Não lhe dê isso cuidado! Por dois motivos. Primeiro porque a minha mulher gosta tanto do Tio Ambrósio, tal como os pequenos, que a sua presença é sempre desejada. Depois porque lá em casa a sopa é abundante, e dá sempre para mais alguém que chegue. Quer que lhe acrescente mais alguma razão?
– Não, Carlos! Essas bastam, e assim sempre tenho a alegria de comer de companhia. Eu já estou habituado a fazer as minhas refeições sozinho. Mas digo-te que a sopa tem muito mais sabor quando, além do pão, partilhamos a palavra. Estando de companhia, até nem damos conta de o tempo passar…

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24/09/2017

Católicos mostram o que valem

No passado mês de Agosto, no Brasil, foi aberta ao público no Santander Cultural, em Porto Alegre (RS), uma exposição de mamarrachos nojentos a que alguém decidiu chamar “arte” (certamente a insultar a nossa inteligência): a exposição “Queermuseu – Cartografia da Diferença na Arte Brasileira”, com 270 obras que, segundo o Santander Cultural, pretendiam abordar “questões de género e diferença”, mas que, na verdade, não passavam de imagens repugnantes de pornografia, pedofilia e zoofilia, para além de blasfemarem contra a fé cristã profanando símbolos religiosos. Uma exposição aberta ao público infantil e financiada com dinheiros públicos!
Mas a boa notícia é que a exposição blasfema (que era para durar até Outubro) foi encerrada no passado dia 10 de Setembro, depois de uma enorme mobilização dos católicos brasileiros que se revoltaram à séria: enviaram reclamações, encheram as redes sociais de protestos e muitos cancelaram as suas contas no Santander, o que fez a instituição financeira tremer, pedir desculpas e encerrar a exposição. E já está em marcha uma nova mobilização na internet para obrigar o Santander a reparar os danos causados, financiando instituições de apoio aos cristãos perseguidos.
A lição que temos a aprender dos nossos irmãos brasileiros é que não nos podemos calar diante do mal. Se nos calamos e não nos unimos, os agentes do inferno continuam tranquilamente a devastar o mundo. Mas se nos unirmos e nos manifestarmos sem medos, juntando a isto a perseverança na oração, até o diabo foge!
Pe. Orlando Henriques

À SOMBRA DO CASTANHEIRO (24-09-2017)

– O Tio Ambrósio não ganhou para o susto! Vossemecê e os outros que têm castanheiros e olivais aqui para estes arredores do cimo da nossa povoação!
– A coisa esteve fusca, Carlos! Mas, graças a Deus, os prejuízos não foram tão avultados como chegámos a temer, embora um ou outro proprietário tenha ficado com as suas colheitas arruinadas. Mas, para o que poderia ter acontecido, temos que erguer as nossas mãos para o Alto e agradecer a protecção divina.
– Já reparei que alguma da sua fruta sofreu danos assinaláveis…
– Eu fiquei um pouco triste foi por aquela carreira de oliveiras, que este ano prometiam uma boa safra. Mas nem isso me tirou o sono, pois azeitona, este ano, é um louvar a Deus! E depois, este meu velho castanheiro nem ameaçado foi! Isso é que seria uma perda irreparável, porque não vejo aí nenhum à volta que o possa substituir quer em porte, quer em beleza natural, quer mesmo em produção de castanha…
– Foi mesmo só um susto…
– Agora, vistas as coisas à distância, podemos dizer que não foi além disso. Mas, pelo que se passou aqui com este pequeno incêndio, eu posso calcular os tormentos por que passaram tantas pessoas de várias aldeias do nosso país, onde arderam hectares e hectares de floresta, várias casas de habitação, e onde se perderam vidas humanas, o que constituiu o acontecimento mais triste deste Verão. As árvores voltam a crescer, e a natureza vai encarregar-se de pintar de verde montes e vales. E também voltaremos a ter o amarelo dos pampilhos e o vermelho das papoilas. Mas as vidas que se perderam, essas… deixam-nos sem palavras perante a dimensão da tragédia.
– O que é importante referir agora é que o Cabeço, depois de um susto, voltou a dormir em sossego…
– Isso não, Carlos! Temos que permanecer sempre vigilantes e evitar tudo aquilo que possa causar sinistros deste género. Eu sempre ouvi dizer que o seguro morreu de velho. Mas, para isso é preciso que sejam tomadas todas as precauções, mesmo que nos pareça que o perigo que se corre é mínimo, e que só acontecerá uma vez em mil ou mesmo dez mil! Quem raciocina deste modo é estulto, porque o perigo espreita e, mal um homem se descuida, pode ter início uma verdadeira tragédia com a perda de muitos bens e o risco de se porem em risco as próprias vidas humanas. Mas agora não vamos falar mais desse assunto, porque o passado é passado, e o que mais nos importa é olharmos para o futuro.
– Concordo consigo, Tio Ambrósio! No entanto, se passarmos do panorama da nossa vida local para o âmbito alargado da cena internacional, as perspectivas não são as mais animadoras. O Tio Ambrósio não anda assustado com o que se passa no mundo?
– Ando, Carlos! A humanidade corre sérios riscos de se auto-destruir! E, se queres que te seja sincero, não vejo ninguém capaz de pôr fim a esta escalada de ameaças que, a concretizarem-se, podem fazer milhões e milhões de vítimas totalmente inocentes…
– Ao que pode levar a loucura humana, Tio Ambrósio!
– Sempre houve loucos deste género ao longo da história, a começar por Caim que não teve nenhum rebuço em assassinar o seu irmão Abel. Mas agora as armas não são pedras nem cacetes, Carlos! Uma única bomba pode destruir um país inteiro, pode fazer milhares, mesmo milhões de vítimas. As bombas atómicas lançadas sobre cidades japonesas no final da segunda guerra mundial fizeram centenas de milhares de vítimas. Foi um verdadeiro horror! E hoje há possibilidades de lançar sobre um ou vários países engenhos vinte ou trinta vezes mais mortíferos do que os que então foram utilizados. Ainda hoje, passados tantos anos, eu fico horrorizado quando vejo reportagens fotográficas dos efeitos destruidores que uma bomba dessas causou sobre populações que não tinham nenhuma culpa sobre os desentendimentos entre os chefes das diversas nações.
– A mim perturba-me saber que há seres humanos com este instinto destruidor, Tio Ambrósio! É verdade que Deus Nosso Senhor nos criou inteiramente livres. Mas também nos deu a consciência para sermos responsáveis…
– A liberdade é um dom maravilhoso Carlos! Mas tens razão em dizer que liberdade e responsabilidade devem crescer e caminhar juntas. Quando a segunda é esquecida ou propositadamente posta de lado, o homem pode transformar a sua liberdade numa monstruosidade…
– De ser livre, passa a ser um monstro!
– Eu não consigo classificar de outro modo quer os que ameaçam com bombas nucleares, quer os que, sem qualquer sentimento de piedade, pretendem dizimar populações inteiras, como é o caso da Síria, em cuja guerra civil já perderam a vida cerca de trezentas e cinquenta mil pessoas. E alguns fundamentalistas continuam não apenas a ameaçar todos os que não concordem com as suas ideias, mas vão lançando o terror em atentados um pouco por todo o lado. Um homem já não pode dizer que está seguro em lado nenhum. Quando menos se espera, numa estação de caminhos de ferro, num mercado, ou numa rua movimentada de uma das nossas grandes cidades pode rebentar uma bomba que cause centenas de mortos e milhares de feridos. Nós aqui, no nosso cantinho, parece-nos que não corremos riscos de maior. Mas não estamos livres que venha por aí fora um tresloucado qualquer, carregado de bombas por debaixo da roupa que traz vestida, e faça explodir um dos nossos mercados, ou uma sala de espectáculos. É só dar-lhes na cabeça…
– Se não houvesse televisão, nem outros meios de comunicação, eu até se pode dizer que ia vivendo bastante descansado. Mas os relatos que nos chegam, sobretudo através da televisão, de tantas barbaridades praticadas por esse mundo fora, levam-me a magicar que nem nós aqui nas pequenas aldeias estamos verdadeiramente seguros…
– Não sejas alarmista, Carlos! Todos sabemos da violência de que são capazes muitos grupos de radicais de diversas etnias e proveniências ideológicas. Mas virem aqui ao Cabeço, a esta pequena aldeia desconhecida, onde quase já só vivem velhotes e viúvas, não! Podes dormir tranquilo, que não é por aí que começa a guerra. Mas que, a nível mundial, as coisas não estão nada seguras, isso não estão. E eu tenho verdadeiramente receio é desses tais monstros que lançaram a consciência às urtigas. Esses são capazes de tudo!